sexta-feira, 30 de março de 2012

Crise do silêncio

Hoje fui ao cemitério chorar pelos mortos alheios. Sofri com a síndrome do tempo parado: não venta, não chove, aqui só se morre. Até as árvores parecem mórbidas.

Comecei a procurar o coveiro. Deve ser um sujeito magro, mulato, com mais de 50 anos e olheiras. Sim, deve ter olheiras. Não sei porque, mas acho que elas são pré-requisitos de qualquer coveiro. Não que eu conheça muitos. Na verdade, não lembro de ter sido apresentado a nenhum. Vou achá-lo... Peraí, não é contraditório vir gozar do silêncio dos mortos e ir atrás do único vivo daqui?

Entre aspas: As palavras ferem o silêncio e com suas verdades insultam o que há de mais mágico: a imaginação. GSD.

quinta-feira, 29 de março de 2012

domingo, 25 de março de 2012

O prazer de ser você mesmo


Exercemos diversos papéis para cumprir uma infinidade de tarefas diárias. Em muito deles cumprimos tabela, noutros de tão chatos somos meio autistas ou resignados de plantão. Mas há pelo menos um papel, uma tarefa, que te faz tão completo, que executa tão bem, que te dá todo o prazer de ser você mesmo.

Viviane é dentista. Após se dedicar a anos de estudo, passa a semana cuidando de bocas, trata de dentes e fica feliz ao ver um sorriso mais leve em seus pacientes. Mas é aos sábados, quando vai ao Samba da Graça que Viviane é Viviane. Coloca o vestido que melhor marca o seu corpo torneado e exibe um samba que inebria o resto do salão.

Ela estampa um sorriso sincero e chacoalha o quadril com a malemolência de quem sabe que tem requebrado. Durante quatro horas, pula, dança, meche as mãos, arruma o cabelo, ginga e chama a atenção. Até as mulheres param para vê-la sambar. Ali, Viviane é ela. No fim do samba, volta para casa suada e com os sapatos nas mãos. Na segunda, volta a se esconder sob o jaleco branco. Contudo, ela sabe que no sábado poderá voltar a ser ela mesma.

Pedro é fotógrafo. Aos 45 anos, é viúvo e com os filhos criados mora sozinho. Já passou pelas principais redações do País, cobriu grandes eventos e fez algumas fotos históricas. Suas imagens estão mais opacas atualmente e tem menos expectativas com a profissão.

Quando chega em casa, depois de dez horas de trabalho, ascende seu baseado. Do seu apartamento, do 17º andar, ele admira São Paulo, envolto dos seus fantasmas pessoais. Contempla sua muda de cannabis, que cresce em meio ao alecrim e a hortelã. Às vezes ouve uma musica, noutras fotografa a imensidão que pode ser vista da sua varanda.

O semblante de Pedro, sempre sério, muda. É ele que está ali agora, mas fica quase irreconhecível. Em algumas das suas noites solitárias pega o vilão e toca. E nos dias mais tristes registra pequenos detalhes do seu mundo particular. Pedro só é ele mesmo em sua sacada, após fumar maconha, tocar violão e tirar fotos que são só suas. Machucado pela vida, ele guarda seu melhor para si mesmo.

São esses prazeres de ter momentos tão singulares – e particulares ou coletivos (cada um de nós tem ou deveria ter o seu) – que nos faz levantar todos os dias. São eles que nos fazem enfrentar o trânsito, pagar os impostos, aguentar os vilipêndios diários, acalentando a chama dos sonhos, mantendo o brilho nos olhos.

É esse tesão que se perde quando voltamos para o cotidiano, que nos faz criar dias, descobrir pessoas, aprender a aprender e esperar o grande momento em que ocorre novamente. Essa é a grande abóbora, que faz tudo, tudo mesmo valer a pena.


[outubro 2011/março 2012]

Entre Aspas: Milagre é quando o mundo interrompe seus acontecimentos ordinários. Luiz Felipe Pondé.

domingo, 11 de março de 2012

O maior símbolo de relacionamento para um “paulistano”

Já nos conhecíamos há algum tempo. Chegamos até a flertar antes e marcar encontros, mas na última hora eu declinava. Estivemos uma vez juntos em setembro e só voltamos a nos reencontrar no fim de novembro. Foram algumas vezes seguidas. E foi bom, com diversão garantida para ambos. Achei que o fim do ano ia esfriar as coisas. Viajamos e não trocamos mensagens. Mas já nas primeiras páginas da folhinha de 2012, me ligou.

Voltamos a nos ver e estamos juntos. Nada de alteração do status no Facebook. Contudo, estamos naquela fase de compartilhar coisas.

Empresto livros, pego comidas da dispensa e hoje quando saí, ao invés de trazer meu guarda-chuva deixei lá. Sempre tenho mais de um e não gosto de carregá-los. Um fica em casa e outro no trabalho. E hoje deixei o meu lá. Isso significa?

(11-01-2011)

Entre aspas: O que dá ao homem um mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões. Nelson Rodrigues.