domingo, 22 de novembro de 2009

A Teoria das Pessoas

(E o porquê das pessoas precisarem ser teorizadas)*

Ninguém cabe em apenas um rótulo. É apenas isso ou aquilo. Mas com o passar dos anos, o exercício de conhecer, desvendar e tentar traduzir pessoas vai identificando características em comum entre elas. Traços da personalidade, da aparência, do modo de agir que aproximam os serem de determinadas classificações. No entanto, como cada um também são muitos, essa pluralidade permite que uma pessoa possa ter muitas dessas características (e uma predominante) ou nenhuma delas.

Assim, ao ler a teoria você vai se identificar ou enxergar os amigos em uma ou algumas delas, pode ter dificuldade de visualizar esse ou aquele item e ao final terá vontade (principalmente se for jornalista) de incluir mais uma (s) categoria (s). Sim, então, isso é papo de jornalista, mas ao final verá que até para isso a Teoria das Pessoas deu jeito.

A teoria começou a surgir numa despretensiosa conversa com Maureen Mattiello, uma amiga, também jornalista em 2007. Foi amadurecendo em conversas com outros amigos e colegas, em mesas de bar, nas aulas de pós-graduação que frequentei, e, principalmente, por meio das pessoas que fui conhecendo ao longo desse tempo e percebendo que elas iam demonstrando uma ou outra particularidade das pessoas descritas abaixo.

Então, é isso. Chega de teorizar sobre a teoria e vamos aos tipos humanos identificados:

1 – As pessoas: São seres comuns, com os quais convivemos no cotidiano. Dois olhos, um nariz, uma boca, dois ouvidos, uma casa, um trabalho, defeitos, qualidades, um nome, e por aí vai... É gente como a gente, que paga imposto, que vive aos montes em lugares que denomina de cidade. E se não chegam a destacar-se da multidão, também não são engolidas por ela. Exemplo: um colega de faculdade, uma tia legal, uma vendedora de loja, o seu dentista...

2 – As pessoas-pessoas: São seres especiais, extraordinários. São pessoas, humanas, gente –tudo ao quadrado. Gente de coração bom, alma leve, sorriso sincero e que emana uma energia positiva. Tem sempre algo bom para te dizer. São produzidas em menor escala, mas sempre tem uma por perto, é só trabalhar o olhar. Exemplo: um grande amigo, um professor (como o Ed), algumas mães ou avós... Existem umas que são tão humanas (pessoas a quinta potência), que quase são inclusas em uma nova categoria ainda não criada: a de pessoas que não existem. Já encontrou umas assim? Vai perceber rápido quando estiver com uma...

3 – Os personagens: São pessoas especiais por seus pensamentos, maneira como vivem ou experiências que já viveram e contam. São singulares, particulares e ricos. Existem alguns e são facilmente identificados, principalmente se você for jornalista. A patricinha, o mano, o hippie, o agroboy, o emo e tantos outros podem ser personagens. Mas o melhor exemplo é aquela pessoa comum, que narra histórias interessantes e deliciosas de se ouvir. Exemplo: cobrador de ônibus, zelador de cinema, um velho imigrante sentado na calçada vendo a vida passar...

4 – As Caricaturas: São personagens tão fortes que viram personagens de si mesmos, possuem traços marcantes, são caricaturais. São a "exceção" e, por isso, mesmo, notados de cara em um grupo. Têm voz interessante, jeito de falar e andar próprios, se vestem de acordo com sua postura e são interessantíssimos. Possuem personalidade forte, opinião própria, já foram ou serão hostilizados pela aparência, alguns são líderes natos e ás vezes parecem estar fazendo caretas, mas só estão esboçando um sorriso. Exemplo: Clodovil, Elke Maravilha, Silvio Santos...

5 – Os insossos: São aqueles seres sem sal, que passam despercebidos na vida e que você esquecerá no minuto seguinte em que encontrar. São o oposto das caricaturas. Existem alguns e eles se perdem na multidão. Apagam-se, escondem-se e vivem as margens do restante da humanidade. Não têm rosto, nome, qualidades ou defeitos. Só cumprem a função de ser um número (de RG, da contagem do IBGE...). Exemplo: desculpa, mas não consigo lembrar de nenhuma agora, por que será?

6 – Os figuras: Pessoas engraçadas, estranhas, interessantes (...), que poderiam fazer parte de álbum de figurinhas, mas que não são necessariamente personagens e sim figurinhas carimbadas! Existem alguns espalhados pelo mundo. Ao vê-los, você pensará “quero ser amigo daquela pessoa”. E assim será. Costumam ser falantes e extrovertidos e possuem a maestria de chamar atenção de uma mesa inteira de bar ou de uma sala toda de aula com pequenos gestos. Exemplo: uma amiga que adora, um professor que marcou na época da escola, um tio...

7 – As pessoas desenho-animado: São seres desenhados para serem uma animação. Possuem traços, expressões, gestos e vozes interessantes o bastante para desviar sua atenção no ônibus, na rua, na sala de aula... Alguns são também personagens ou figuras, mas estão alguns degraus abaixo da caricatura. Às vezes, parece que balõezinhos de pensamento ou efeitos gráficos povoam o entorno de seu ser. A vida para eles é uma eterna interjeição onomatopéica. Exemplo: Alguém que te remete a um desenho específico ou simplesmente é um desenho... [Contribuição de Marina Morena Marina Andrade, que consegue identificar de qual desenho animado esses seres fazem parte]

8 – O pseudo-intelectual metido a besta ou alternativo (Pimba): Desses eu tenho preguiça, mas vamos lá: não são nada originais, aliás são fakes. A moda hoje é pimba. Eles realmente acreditam que são alternativos e descolados. Costumam ser meio de esquerda. Gostam de xadrez, óculos de aro grosso e retrô, cabelo desalinhado. São metidos a crítico de cinema, dizem que gostam de teatro, poesia, mas nunca viu ou leu nada disso de verdade. Apesar do conhecimento raso, fazem questão de mostrar erudição e intelectualidade, citam autores, livros, de filósofos, artistas plásticos, teorias, músicos eruditos, alguns cineastas europeus (dos anos 1960 e 70, principalmente). É tipo comum nas universidades, em cinemas culturais, cafés e em toda cidade grande. A pose característica é a blasé. Gostam da nova banda de rock (+algum adjetivo) do Uzbequistão, mas quando mais de dez pessoas conhecem desiste dessa e passa a ouvir outro som mais alternativo. Quando compra uma corrente de ouro, prefere as feitas manualmente por índias virgens, da Floresta Rauk, no Marrocos, para contar essa história e impressionar o ouvinte dizendo que consumiu para ajudar a causa da libertação dessas mulheres... Exemplo: Vá a Rua Augusta ou a Praça Roosevelt em São Paulo (SP) e identifique você mesmo... [Contribuição de Marcelo D2 e papos na pós que fiz em Campo Grande]

9 – O cidadão de bem (CB): Personagem do filme "A indústria do medo", é trabalhador, tem uma família saudável e feliz. É o senso comum, a classe média. Seus filhos estudam em bons colégios tradicionais onde recebem uma formação moral e dos bons costumes. Todo domingo, no conforto de seu lar, ele e sua família assistem ao Fantástico. Nunca abandona suas convicções, mas, às vezes, avança o sinal vermelho porque é muito ocupado e tempo é dinheiro. Discute política (pensando que sabe algo do assunto) como quem fala de futebol. Acha que o atual governo é ruim porque o Lula é semi-analfabeto. Assina a Veja, seu filho a Playboy, sua filha a Capricho e sua esposa a Claudia. Além da Veja, lê Época e Istoé e se considera elite intelectual por causa disso. Pensa que todo esquerdista é comunista. Pensa que sabe o que é comunismo. Afirma que bandido bom é bandido morto. Diz que a maioria dos pobres estão nessa situação por serem vagabundos. Estudou muito pra passar em um concurso e ser funcionário público. Afinal ganha razoavelmente bem, tem estabilidade e comodidade. Ao longo do tempo, aproveita ao máximo das benesses "concedidas" pelo Estado e carrega consigo um único sonho: o de se aposentar logo! Exemplo: O Lineu, da "Grande Família", advogados também têm tendência a fazer parte dessa categoria... [Marcelle Souza contribuiu para a construção dessa categoria]

10 – Os malas: Facilmente identificados. Muitos deles são cidadãos de bem, alguns são Pimba, mas muitos são apenas malas mesmo. Você entra no elevador e ele começa a falar do tempo, que políticos são desonestos, que não assiste mais TV por que só tem tragédia... Faz perguntas que você não está a fim de responder. Fala sem parar e acaba respondendo as próprias perguntas que fazem. São chatos, te aborrecem facilmente e você tem vontade de estender o braço, fechar e abrir os dedos com a mão em formato de concha e dizer: “fala com a minha mão, vai?!”, e virar-se para o outro lado... Exemplo: seu cunhado, um vizinho, um desconhecido que quer ficar seu amigo de infância só por que está na mesma fila que você...

11 – Os vilões da novela das 8 (Os “Do Mal”): Esses não chegam a ser pessoas. Mas estão soltos por aí. Dividem-se em dois tipos: os declaradamente “do mal”, que gostam e assumem fazer maldades. Vangloriam-se por serem ruins, são egoístas, puxam o tapete, arquitetam coisas contra as pessoas e vivem numa trama malévola, num verdadeiro circulo vicioso (exemplo: Nazaré, a personagem de Renata Sorrah, em “Senhora do Destino”); e os psicopatas, falsos, cínicos, planejam e arquitetam o mal, mas fingem serem amigos, “do bem”, apunhalam apenas pelas costas. Possuem sorriso amarelo, olhos espertos e são extremamente inteligentes, mas covardes de assumir o que realmente são (exemplo: Yvone, da novela “Caminho das Índias”). Ambos possuem energia negativa, apesar de serem interessantes, possuem desvio de caráter e deve-se manter distância. São o oposto das pessoas-pessoas.

12 – Os Jornalistas: Têm certeza que são Deus ou criaturas elevadas e diferentes do restante da humanidade. Consideram-se capazes de classificar todos os outros seres e acham que eles próprios são inclassificáveis. Para estar nessa categoria não precisa ter diploma em Jornalismo ou exercer essa profissão. Precisa de um ego apurado, senso ‘crítico aguçado’, poder de argumentação e de classificação sobre as pessoas, acontecimentos e situações. Costumam se declarar apartidários, ateus, alguns não dizem o time para qual torcem, para quem votou e quanto ganham... Acabam solteiros, sem amigos de outras profissões e com nenhum dinheiro no fim do mês. Fumam, tomam café, frequentam bares só de jornalistas e gostam do asfixiante clima de redação. Exemplo: Vá a uma redação, a um boteco vizinho a um meio de comunicação...


*Essa não é uma teoria fechada, está em construção e sendo aprimorada a cada dia, a cada nova pessoa que eu conheço, a cada conversa, a cada novo texto...

Nos comentários, contribua com as características de cada tipo, inclua novas categorias, se classifique, me classifique, reproduza e dê crédito à Teoria das Pessoas (Soares Dias, 2009). Além de muito séria e científica (mais do que as pesquisas que divulgam no Fantástico, pelo menos) ela é a mais humana das teorias.

PS: Com o tempo pretendo fazer o perfil de uma pessoa de cada uma dessas categorias e publicar aqui. Promessa para ser cumprida aos poucos e sem data para o fim...

Entre Aspas: A palavra é o meio de domínio sobre o mundo. Clarice Lispector

Entre Aspas II: Para os judeus, Deus criou o mundo por meio da palavra. Quando alguém materializa a palavra, escrevendo, interfere diretamente na criação do mundo. Autor desconhecido por mim.

sábado, 14 de novembro de 2009

Cotidiano Animal

– Dá bom dia pro cachorrinho, dá! Dá bom dia...
– Au, Au, Au, Au, Au, Au, Au – , solta ferozmente o poodle metido, daqueles de tamanho maior do que a média, que deve ter nome de raça em inglês, com tosa em dia e cor de caramelo.

A mulher sem rosto expressivo, que o carrega, insiste. O outro cão é negro, está acompanhado por uma senhora que parece longe dali. Ele olha desconfiado, finge ignorar, mas às vezes responde forte e decidido:
– Au, au, au!

No cruzamento das ruas General Jardim e Sabará, a cena não surpreende os passantes do pomposo Bairro de Higienópolis, em São Paulo (SP). Apesar de grã-finos, eles estão acostumados a pisar em cocos e xixis dos pets, conviver com eles no refinado Shopping Higienópolis, que permite a entrada de cachorros, e de tê-los em casa como se fossem gente. Avanço em passos rápidos na direção deles, flagro a saudação, me afasto e tudo continua do mesmo jeito que começou:
– Dá bom dia pro cachorrinho, dá! Dá bom dia...
– Au, Au, Au, Au, Au, Au, Au!

Entre Aspas:

Desejinhos...


Espero o máximo de nós,
o melhor de cada um
Um solado a dois
Uma dança em vez de...
Você a sós
comigo outra vez
em versos normais
cantando o sol
contando as estrelas
descabelando ao vento.
Eu quero você
que era tão só
me fez tão sutil
e hoje vem
com graça e paixão
me fazer de seu e
Tornar-nos tão felizes!

GSD (27-07-2009)