terça-feira, 19 de maio de 2009

Um domingo para não esquecer

Aquele domingo, 15 de março de 2009, era a estreia de Maria Fernanda em São Paulo (SP). Recém-chegada de Cuiabá, ela desembarcou na Barra Funda, deixou as malas na Saúde, e já almoçava em um restaurante no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Hélio, que a acolheu em sua casa inicialmente, e eu, éramos as companhias.

Três amigos que haviam se conhecido em Campo Grande, no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2003-2006). Tínhamos muito papo para botar em dia. Depois do almoço, fizemos um giro pela Livraria Cultura, com direito a ver a cantora Pitty e seu namorado (o baterista do Fresno ou NX Zero, não é a mesma coisa?).

Ainda encontraríamos Maureen, outra amiga dos tempos de faculdade, que passava férias por aqui. Passeamos pela Paulista e resolvemos parar no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Não no museu propriamente dito, mas ali no vão do Masp, nos bancos que têm como encosto a vista para o centro paulistano. Ali, encontraríamos Maureen. Foram quase duas horas de espera. Ou mais. Ou menos. Na verdade, o tempo é relativo. E nesse tempo aconteceram muitas coisas, diversas situações, várias risadas...

Um japonês estranho, com cara nerd, veio nos abordar. Acompanhado por uma menina com cara de universitária - sua partner, provavelmente – ele começou a conversar. Fez um preâmbulo monótono e incompreensível. Não sabíamos onde queria chegar. Gargalhávamos de seu jeito atrapalhado e ele se perdia ainda mais nas palavras. Maria Fernanda, a quem se dirigia, pediu para que fosse mais direto. Ele foi: queria dar um DVD com dois filmes, um deles um documentário chamado “Muito além do cidadão Kane”.

Pronto. Tínhamos voltado aos tempos de faculdade em que discutíamos teoria da conspiração, o superpoder da mídia e de como ela domina as pessoas... Tema já um pouco gasto nas nossas conversas... Por isso, Maria Fernanda queria se livrar daquele DVD. O momento oportuno apareceria logo em seguida.

Prestávamos atenção nas pessoas em nossa volta. Hippies, neohippies, alternativos, descolados, moradores de rua, tinha de tudo. Muitos fumavam maconha, alguns cigarro, outros tentavam cantar. Casais de todo tipo circulavam. Um homem charmoso brincava com o cachorro. Ele chamou a atenção das meninas. Todas queriam brincar com seu cachorro para conquistarem o dono. Ele passou muito tempo ali. Até que um cara chegou, brincou com o cachorro, limpou o cocô que havia feito no chão e saiu com o companheiro que havia arrebatado o coração de boa parte da ala feminina ali presente...

Maureen não chegava. Já tínhamos falado de tudo. Estávamos fazendo um exercício de que a cada mulher loira que despontava na Avenida Paulista a gente dizia que era Maureen em alguma versão (hippie, colegial, velha, cafona...etc). Dava até para ser um filme. “Todo mundo pode ser Maureen Mattiello”.

Era um domingo típico em São Paulo, com máxima de 25 graus e sol escasso entre nuvens. As abordagens não haviam parado. Um cara veio nos vender o “Jornal da Causa Operária”. Eu achei que ele estava dando, assim como o outro que deu DVD, e fui logo colocando o jornal na mochila. O camarada não queria socializar o conhecimento comunista assim de graça. Esclareceu que o jornal custava R$ 3.

Eu devolvi e questionei se não tinha uma vaga na redação do “Causa Operária” (estava na fase em que pedia emprego até para as pedras da rua). Ele disse que o jornal era colaborativo e começou com o papo de sociedade igualitária, manipulação da mídia sobre a crise econômica mundial e.... deu a deixa para Maria Fernanda presenteá-lo com o DVD do documentário do “Cidadão Kane”. Eu fiquei meio atônito. Queria assistir ao documentário. Ela brincava que o japonês que tinha dado o DVD, na verdade, queria nos persuadir a participar de uma seita misteriosa, ou ainda, que queria nos vender algo. É possível... Aqui nesta cidade, tudo é possível.

O vão do Masp estava mais sujo do que da última vez que eu estive ali, há uns dez meses. A grama havia crescido entre as lajotas de concreto que formam o piso. Havia muita sujeira também. Barracas de uma feira eram desmontadas e davam lugar às pessoas. Hélio contava a história da arquiteta que projetou o local e que teve de tirar o último pilar que sustentava o prédio na fase da construção. Os pedreiros que trabalhavam na obra não tiveram coragem de fazê-lo, segundo conta a lenda urbana.

Quem conhece, percebe que o Masp é sustentado por colunas laterais que parecem apenas tocar suas bordas. E continua ali de pé. O vão é o efeito formado pela obra inaugurada pela arquiteta Lina Bo, em 1947, segundo consta no primeiro resultado que vi em uma rápida pesquisa no Google.

Uma senhora de cerca de 60 anos irrompe esse cenário. Gordinha, ela veste roupa de malha que marca seu corpo arredondado. Tem cabelos brancos e curtos e se dirige a nós, os primeiros que aparecem em sua direção. Faz um sinal ou fala algo, questionando se tínhamos maconha. Não tínhamos. Com tique de quem fuma há anos, ela se dirige a outros jovens ali perto e sacia sua vontade...

Maureen finalmente surge. Na sua versão blusa rosa, despojada para passeio com amigos, ela nos sufoca em um abraço de urso, daqueles que só bons amigos sabem dar. Acho que era ela. Pelo menos a moça que nos abraçou e passou o resto do tempo conosco podia ser a Maureen se não fosse ela... Maria Fernanda matou saudades da voz dela. Eu de seu abraço. Hélio do seu jeito blebas de ser.

Uma cena onírica, só para citar um termo que um professor usou para descrever uma cena que reproduzi em um texto, mas que eu nunca soube o real significado. Aqueles amigos de outrora, de hoje e de sempre, ali reunidos. Eles já não eram mais os mesmos, o cenário tão pouco, mas era aquela mesma sintonia de antes que os unia agora. Novas situações que os levavam às mesmas gargalhadas intermitentes de quando eram apenas jovens universitários sonhadores.

Hoje, jornalistas em início de carreira, os amigos celebravam aquele encontro tipicamente paulistano. Compunham uma cena única, com personagens singulares, contrastantes, tão heterogêneos como todos os elementos que compõem essa grande metrópole. Era o meu segundo domingo em São Paulo. Foi como se fosse o primeiro, ou melhor, como se fosse um programa de sempre. Um dia para ser sempre lembrado.

Entre Aspas: Há profundezas que só as combinações do imprevisível permitem sondar. Daniel Piza

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Os mistérios por trás da escrita

A dor e a delícia de escrever vão além da nossa percepção. É um momento de extravasar. É materializar sentimentos em palavras, que ficarão lá estáticas. Dando significados e sentidos que vão sendo lidos e interpretados de diferentes formas por quem as lê. Vamos sendo julgados por ela. Taxados, presos num rótulo e classificados pelos textos que construímos e vão de certa forma nos reconstruindo. Tenho necessidade de escrever, de extravasar. É quando me sinto vivo, ultravivo. É um desafio fazê-lo. Não sobra tempo, não há momento certo, não tem como planejar.

Depois vem o desafio de dar uma forma bonita, de publicar aqui, de parecer inteligente, de tentar arrancar comentários positivos. É como se a escrita tivesse que ser ordenada para agradar aos outros. O português tem que ser perfeito (um jornalista não pode escrever errado), a concordância tem que estar em todas as frases, elas tem que ter sentido. Como dar sentido à ideias que vêm desconexas, que tem como único objetivo confundir e embaralhar os pensamentos criando dúvidas durante o caminho?

O desafio fica maior quando sabemos que nossos espaços de publicação estão lá numa rede mundial, facilmente acessada por qualquer pessoa. Assim, vamos querendo fazer sentido, ser eternizados, ser aplaudidos. A naturalidade vai se perdendo junto com a assiduidade dos textos. É difícil não se reprimir e passar a controlar os impulsos de publicar textos como este. A quem ele interessa? A mim, aos meus sentimentos, à minha consciência. É para isso que serve esse blog também. À minha necessidade de escrever, de externar sentimentos, de extravasar. Sem necessidade de ser sério, coerente, de fazer sentido. Dos julgamentos, fica apenas aquela velha máxima de que só quem arrisca a dar a cara a tapa é criticado.

Pois, aqui estou eu. Disposto a dividir coisas com quem se dispõe a frequentar meu blog. Cheio de coisas para contar, para descobrir, para aprender e compartilhar.

*Este texto, quase auto-análise era só pra dizer: voltei a ter muita vontade de escrever. Tenho planos de fazer isso nos próximos dias e retomarei as publicações aqui com frequência.

Entre Aspas:
Existem momentos em que o que escrevo me surpreende, me puxa para não sei onde, em outros momentos fico dias parada em um mesmo lugar, trabalhando um detalhe, procurando ouvir o que é importante ali. Acho que o que me move a escrever é esse prazer que custa esforço. Beatriz Bracher.

Até, abraço!