domingo, 20 de dezembro de 2009

Três anos em um

Dois mil inove...Com essa frase começou o ano, um tracadilho faceiro, prometendo mundos e fundos e anunciando mudanças. E assim foi! Pela numerologia esse foi meu ano seis (propício ao lar, à família, ao casamento e aos amigos, segundo a ‘filosofia’). Não foi nada disso. Foi sim meu ano três, não pela soma de números da data de nascimento ou do meu nome, mas por tudo ter acontecido triplicado.

Comecei o ano passando por três festas de réveillon;

Fiz (ainda faço e sempre farei,rs) aniversário em 3 de janeiro;

Tive três empregos (Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul, Luares e Agência Leia);

Morei em três casas (Bairro Universitário em Campo Grande, Vila Olímpia em São Paulo e Barra Funda em São Paulo);

Fiz três viagens bacanas (Campo Grande-junho, Paraty-julho, Bela Vista do Paraíso-outubro);

Recebi três convites para casamento (Marê, Belha e Pati);

Fiz três novas amizades (Carol, Ju e Rê);

Tenho três paletós no guarda-roupa;

Tive contato com três jornalistas fodas (Edvaldo Pereira Lima, Neide Duarte e Zé Hamilton Ribeiro);

Três pessoas moram na minha casa atual (Maria Fernanda, Marcelle e eu);

Vi três filmes marcantes (A Partida, A Festa da Menina Morta e Não é Só Ilusão);
Assisti a três peças ótimas (Viver Sem Tempos Mortos, O Ano do Pensamento Mágico e Bichos do Mundo);

Conheci três novas cidades (Santos, Paraty e Bela Vista do Paraíso);

Tenho três aparelhos de celular (para quê tanto, né?);

Tive três gripes (em ano de gripe suína, mas sobrevivi);

Três amigos mudaram de Campo Grande e dividiram agruras e conquistas (Antônio, Rapha e Marcelle);

Fui a três missas (dois casamentos e um batizado);

Completei três anos de formado (passa rápido, né?!);

Conheci pessoalmente três jornalistas-autores fodas (Gay Talese, Xinran e Eliane Brum);

E termino o ano preparando três festas de aniversário (isso mesmo, veja abaixo).

Um ano intenso, cheio de emoções em que, literalmente, mudei e inovei a perspectiva pela qual vejo o mundo, encaro o trabalho e vivo, que provocou um amadurecimento imensurável e teve acontecimentos que dificilmente sairão da memória. Foram mesmo três anos em um. Sobrevivi e ainda gostei das altas doses de emoção – e de viver perigosamente.

Para celebrar esses três anos que passei em 2009 vou começar 2010 comemorando meu aniversário ao cubo. Será uma espécie de turnê comemorativa em que espero conseguir brindar com o maior número de amigos possíveis. Vamos às datas e cidades:

*Recife (onde passarei o réveillon), domingo, 3 de janeiro

*São Paulo, sábado, 9 de janeiro

*Campo Grande, sábado, 16 de janeiro.

Que este seja um ano de muitas realizações e de encontros para e entre todos nós!
2010 com qualidade de vida e amor!

Crianças Velhas. Novos adultos

(Para o tempo que eu quero descer)

... E então cresceram. Eram aquelas crianças catarrentas que corriam pela rua, soltavam pipa, brincavam de bola de gude, jogavam bete, corriam no pega-pega e brigavam só para depois continuarem todas essas travessuras juntos. A rua ainda é a mesma, mas eles casaram, tiveram filhos, se mudaram e hoje projetam novos rumos. Realizam seus sonhos de infância. Muito da personalidade de cada um naquela época de jogos de vôlei, de queimada e do rouba-bandeira permanecem até hoje.

Eles engordaram, mudaram os cabelos, têm caras e corpos de adultos, usam barba, mas por minutos sustentam os mesmos sorrisos de antes. Talvez o que tenha restado em comum seja apenas isso, além das histórias, claro. E foram muitas. Das melhores e inesquecíveis fases da vida. Para alguns é estranho vê-los tão grande, um ou outro deles nem se percebeu adulto ainda, outros ainda relutam contra essa realidade. No entanto, todos são pressionados a assumir suas responsabilidades, a tomar rumos na vida e vão seguindo seus caminhos, construindo suas histórias. E de vez em quando se encontram, falam do passado, riem das lembranças e perguntam de fulanos e cicranos.

Saem renovados, com um ‘quê’ de vontade de reviver aquela fase. A vida segue, precisam segurar às próprias rédeas e prosseguir suas novas vidas de adultos. A esperteza, as trapaças, as vitórias, as derrotas, as virtudes e os vícios aprendidos quando eram crianças ainda se mostram presentes hoje em outros contextos. Os encontros, os choros e os risos é que ficaram mais escassos. O trabalho espera, o filho chora, o corpo muda, o relógio avança, a vida segue...

[18/10/2009]

Entre Aspas: A vida é a falta de definição. É transição. Nunca estamos prontos. Do filme Divã.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sem você

Sozinho numa tarde dominical e cinzenta de dezembro em São Paulo (SP), a janela do meu apartamento está aberta e deixa entrar o vento frio que vem da rua. É a brisa da solidão, que me envolve, arrepia e grita a necessidade de estar com alguém. Da rua vêm os ruídos de uma banda de rock que toca no Memorial da América Latina, dos sinos da Igreja São Geraldo, convidando para a missa, dos gritos de gols dos vizinhos comemorando os últimos minutos do Campeonato Brasileiro de Futebol, mas do e-mail vem a lembrança que preciso estar aqui para trabalhar...

Na cama de casal, ao invés de uma pessoa para acompanhar, o livro com as lições não feitas de inglês. O ano está para acabar e eu continuo aqui, sem ninguém. Acho que vou fechar a janela.

Entre Aspas: A felicidade só é de verdade quando é compartilhada. Do filme Natureza Selvagem

domingo, 22 de novembro de 2009

A Teoria das Pessoas

(E o porquê das pessoas precisarem ser teorizadas)*

Ninguém cabe em apenas um rótulo. É apenas isso ou aquilo. Mas com o passar dos anos, o exercício de conhecer, desvendar e tentar traduzir pessoas vai identificando características em comum entre elas. Traços da personalidade, da aparência, do modo de agir que aproximam os serem de determinadas classificações. No entanto, como cada um também são muitos, essa pluralidade permite que uma pessoa possa ter muitas dessas características (e uma predominante) ou nenhuma delas.

Assim, ao ler a teoria você vai se identificar ou enxergar os amigos em uma ou algumas delas, pode ter dificuldade de visualizar esse ou aquele item e ao final terá vontade (principalmente se for jornalista) de incluir mais uma (s) categoria (s). Sim, então, isso é papo de jornalista, mas ao final verá que até para isso a Teoria das Pessoas deu jeito.

A teoria começou a surgir numa despretensiosa conversa com Maureen Mattiello, uma amiga, também jornalista em 2007. Foi amadurecendo em conversas com outros amigos e colegas, em mesas de bar, nas aulas de pós-graduação que frequentei, e, principalmente, por meio das pessoas que fui conhecendo ao longo desse tempo e percebendo que elas iam demonstrando uma ou outra particularidade das pessoas descritas abaixo.

Então, é isso. Chega de teorizar sobre a teoria e vamos aos tipos humanos identificados:

1 – As pessoas: São seres comuns, com os quais convivemos no cotidiano. Dois olhos, um nariz, uma boca, dois ouvidos, uma casa, um trabalho, defeitos, qualidades, um nome, e por aí vai... É gente como a gente, que paga imposto, que vive aos montes em lugares que denomina de cidade. E se não chegam a destacar-se da multidão, também não são engolidas por ela. Exemplo: um colega de faculdade, uma tia legal, uma vendedora de loja, o seu dentista...

2 – As pessoas-pessoas: São seres especiais, extraordinários. São pessoas, humanas, gente –tudo ao quadrado. Gente de coração bom, alma leve, sorriso sincero e que emana uma energia positiva. Tem sempre algo bom para te dizer. São produzidas em menor escala, mas sempre tem uma por perto, é só trabalhar o olhar. Exemplo: um grande amigo, um professor (como o Ed), algumas mães ou avós... Existem umas que são tão humanas (pessoas a quinta potência), que quase são inclusas em uma nova categoria ainda não criada: a de pessoas que não existem. Já encontrou umas assim? Vai perceber rápido quando estiver com uma...

3 – Os personagens: São pessoas especiais por seus pensamentos, maneira como vivem ou experiências que já viveram e contam. São singulares, particulares e ricos. Existem alguns e são facilmente identificados, principalmente se você for jornalista. A patricinha, o mano, o hippie, o agroboy, o emo e tantos outros podem ser personagens. Mas o melhor exemplo é aquela pessoa comum, que narra histórias interessantes e deliciosas de se ouvir. Exemplo: cobrador de ônibus, zelador de cinema, um velho imigrante sentado na calçada vendo a vida passar...

4 – As Caricaturas: São personagens tão fortes que viram personagens de si mesmos, possuem traços marcantes, são caricaturais. São a "exceção" e, por isso, mesmo, notados de cara em um grupo. Têm voz interessante, jeito de falar e andar próprios, se vestem de acordo com sua postura e são interessantíssimos. Possuem personalidade forte, opinião própria, já foram ou serão hostilizados pela aparência, alguns são líderes natos e ás vezes parecem estar fazendo caretas, mas só estão esboçando um sorriso. Exemplo: Clodovil, Elke Maravilha, Silvio Santos...

5 – Os insossos: São aqueles seres sem sal, que passam despercebidos na vida e que você esquecerá no minuto seguinte em que encontrar. São o oposto das caricaturas. Existem alguns e eles se perdem na multidão. Apagam-se, escondem-se e vivem as margens do restante da humanidade. Não têm rosto, nome, qualidades ou defeitos. Só cumprem a função de ser um número (de RG, da contagem do IBGE...). Exemplo: desculpa, mas não consigo lembrar de nenhuma agora, por que será?

6 – Os figuras: Pessoas engraçadas, estranhas, interessantes (...), que poderiam fazer parte de álbum de figurinhas, mas que não são necessariamente personagens e sim figurinhas carimbadas! Existem alguns espalhados pelo mundo. Ao vê-los, você pensará “quero ser amigo daquela pessoa”. E assim será. Costumam ser falantes e extrovertidos e possuem a maestria de chamar atenção de uma mesa inteira de bar ou de uma sala toda de aula com pequenos gestos. Exemplo: uma amiga que adora, um professor que marcou na época da escola, um tio...

7 – As pessoas desenho-animado: São seres desenhados para serem uma animação. Possuem traços, expressões, gestos e vozes interessantes o bastante para desviar sua atenção no ônibus, na rua, na sala de aula... Alguns são também personagens ou figuras, mas estão alguns degraus abaixo da caricatura. Às vezes, parece que balõezinhos de pensamento ou efeitos gráficos povoam o entorno de seu ser. A vida para eles é uma eterna interjeição onomatopéica. Exemplo: Alguém que te remete a um desenho específico ou simplesmente é um desenho... [Contribuição de Marina Morena Marina Andrade, que consegue identificar de qual desenho animado esses seres fazem parte]

8 – O pseudo-intelectual metido a besta ou alternativo (Pimba): Desses eu tenho preguiça, mas vamos lá: não são nada originais, aliás são fakes. A moda hoje é pimba. Eles realmente acreditam que são alternativos e descolados. Costumam ser meio de esquerda. Gostam de xadrez, óculos de aro grosso e retrô, cabelo desalinhado. São metidos a crítico de cinema, dizem que gostam de teatro, poesia, mas nunca viu ou leu nada disso de verdade. Apesar do conhecimento raso, fazem questão de mostrar erudição e intelectualidade, citam autores, livros, de filósofos, artistas plásticos, teorias, músicos eruditos, alguns cineastas europeus (dos anos 1960 e 70, principalmente). É tipo comum nas universidades, em cinemas culturais, cafés e em toda cidade grande. A pose característica é a blasé. Gostam da nova banda de rock (+algum adjetivo) do Uzbequistão, mas quando mais de dez pessoas conhecem desiste dessa e passa a ouvir outro som mais alternativo. Quando compra uma corrente de ouro, prefere as feitas manualmente por índias virgens, da Floresta Rauk, no Marrocos, para contar essa história e impressionar o ouvinte dizendo que consumiu para ajudar a causa da libertação dessas mulheres... Exemplo: Vá a Rua Augusta ou a Praça Roosevelt em São Paulo (SP) e identifique você mesmo... [Contribuição de Marcelo D2 e papos na pós que fiz em Campo Grande]

9 – O cidadão de bem (CB): Personagem do filme "A indústria do medo", é trabalhador, tem uma família saudável e feliz. É o senso comum, a classe média. Seus filhos estudam em bons colégios tradicionais onde recebem uma formação moral e dos bons costumes. Todo domingo, no conforto de seu lar, ele e sua família assistem ao Fantástico. Nunca abandona suas convicções, mas, às vezes, avança o sinal vermelho porque é muito ocupado e tempo é dinheiro. Discute política (pensando que sabe algo do assunto) como quem fala de futebol. Acha que o atual governo é ruim porque o Lula é semi-analfabeto. Assina a Veja, seu filho a Playboy, sua filha a Capricho e sua esposa a Claudia. Além da Veja, lê Época e Istoé e se considera elite intelectual por causa disso. Pensa que todo esquerdista é comunista. Pensa que sabe o que é comunismo. Afirma que bandido bom é bandido morto. Diz que a maioria dos pobres estão nessa situação por serem vagabundos. Estudou muito pra passar em um concurso e ser funcionário público. Afinal ganha razoavelmente bem, tem estabilidade e comodidade. Ao longo do tempo, aproveita ao máximo das benesses "concedidas" pelo Estado e carrega consigo um único sonho: o de se aposentar logo! Exemplo: O Lineu, da "Grande Família", advogados também têm tendência a fazer parte dessa categoria... [Marcelle Souza contribuiu para a construção dessa categoria]

10 – Os malas: Facilmente identificados. Muitos deles são cidadãos de bem, alguns são Pimba, mas muitos são apenas malas mesmo. Você entra no elevador e ele começa a falar do tempo, que políticos são desonestos, que não assiste mais TV por que só tem tragédia... Faz perguntas que você não está a fim de responder. Fala sem parar e acaba respondendo as próprias perguntas que fazem. São chatos, te aborrecem facilmente e você tem vontade de estender o braço, fechar e abrir os dedos com a mão em formato de concha e dizer: “fala com a minha mão, vai?!”, e virar-se para o outro lado... Exemplo: seu cunhado, um vizinho, um desconhecido que quer ficar seu amigo de infância só por que está na mesma fila que você...

11 – Os vilões da novela das 8 (Os “Do Mal”): Esses não chegam a ser pessoas. Mas estão soltos por aí. Dividem-se em dois tipos: os declaradamente “do mal”, que gostam e assumem fazer maldades. Vangloriam-se por serem ruins, são egoístas, puxam o tapete, arquitetam coisas contra as pessoas e vivem numa trama malévola, num verdadeiro circulo vicioso (exemplo: Nazaré, a personagem de Renata Sorrah, em “Senhora do Destino”); e os psicopatas, falsos, cínicos, planejam e arquitetam o mal, mas fingem serem amigos, “do bem”, apunhalam apenas pelas costas. Possuem sorriso amarelo, olhos espertos e são extremamente inteligentes, mas covardes de assumir o que realmente são (exemplo: Yvone, da novela “Caminho das Índias”). Ambos possuem energia negativa, apesar de serem interessantes, possuem desvio de caráter e deve-se manter distância. São o oposto das pessoas-pessoas.

12 – Os Jornalistas: Têm certeza que são Deus ou criaturas elevadas e diferentes do restante da humanidade. Consideram-se capazes de classificar todos os outros seres e acham que eles próprios são inclassificáveis. Para estar nessa categoria não precisa ter diploma em Jornalismo ou exercer essa profissão. Precisa de um ego apurado, senso ‘crítico aguçado’, poder de argumentação e de classificação sobre as pessoas, acontecimentos e situações. Costumam se declarar apartidários, ateus, alguns não dizem o time para qual torcem, para quem votou e quanto ganham... Acabam solteiros, sem amigos de outras profissões e com nenhum dinheiro no fim do mês. Fumam, tomam café, frequentam bares só de jornalistas e gostam do asfixiante clima de redação. Exemplo: Vá a uma redação, a um boteco vizinho a um meio de comunicação...


*Essa não é uma teoria fechada, está em construção e sendo aprimorada a cada dia, a cada nova pessoa que eu conheço, a cada conversa, a cada novo texto...

Nos comentários, contribua com as características de cada tipo, inclua novas categorias, se classifique, me classifique, reproduza e dê crédito à Teoria das Pessoas (Soares Dias, 2009). Além de muito séria e científica (mais do que as pesquisas que divulgam no Fantástico, pelo menos) ela é a mais humana das teorias.

PS: Com o tempo pretendo fazer o perfil de uma pessoa de cada uma dessas categorias e publicar aqui. Promessa para ser cumprida aos poucos e sem data para o fim...

Entre Aspas: A palavra é o meio de domínio sobre o mundo. Clarice Lispector

Entre Aspas II: Para os judeus, Deus criou o mundo por meio da palavra. Quando alguém materializa a palavra, escrevendo, interfere diretamente na criação do mundo. Autor desconhecido por mim.

sábado, 14 de novembro de 2009

Cotidiano Animal

– Dá bom dia pro cachorrinho, dá! Dá bom dia...
– Au, Au, Au, Au, Au, Au, Au – , solta ferozmente o poodle metido, daqueles de tamanho maior do que a média, que deve ter nome de raça em inglês, com tosa em dia e cor de caramelo.

A mulher sem rosto expressivo, que o carrega, insiste. O outro cão é negro, está acompanhado por uma senhora que parece longe dali. Ele olha desconfiado, finge ignorar, mas às vezes responde forte e decidido:
– Au, au, au!

No cruzamento das ruas General Jardim e Sabará, a cena não surpreende os passantes do pomposo Bairro de Higienópolis, em São Paulo (SP). Apesar de grã-finos, eles estão acostumados a pisar em cocos e xixis dos pets, conviver com eles no refinado Shopping Higienópolis, que permite a entrada de cachorros, e de tê-los em casa como se fossem gente. Avanço em passos rápidos na direção deles, flagro a saudação, me afasto e tudo continua do mesmo jeito que começou:
– Dá bom dia pro cachorrinho, dá! Dá bom dia...
– Au, Au, Au, Au, Au, Au, Au!

Entre Aspas:

Desejinhos...


Espero o máximo de nós,
o melhor de cada um
Um solado a dois
Uma dança em vez de...
Você a sós
comigo outra vez
em versos normais
cantando o sol
contando as estrelas
descabelando ao vento.
Eu quero você
que era tão só
me fez tão sutil
e hoje vem
com graça e paixão
me fazer de seu e
Tornar-nos tão felizes!

GSD (27-07-2009)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Expondo a alma



Bolivariene cria uma lhama escondida no fundo de casa, tenho certeza. Com cabelos negros e longos e seus olhos levemente puxados, ela vende saltenha no Mercadão. Não, não é nada disso. Mas poderia ser, se ao invés de ter nascido em Ladário (MS), Viviane tivesse nascido na outra cidade vizinha de Corumbá, Puerto Quijarro, na Bolívia. Aos 24 anos, dá sempre uma entonação de voz tão interessante a suas histórias, que ela me leva aos risos constantemente, deixando-me com aquela cara de bobo, que não consegue manter a boca fechada e a expressão séria.

Foi ela quem convocou a entrevista via MSN; marcou o dia, 15 de junho; a hora, 13 horas; e o lugar, a Fontebella, sorveteria na esquina da Avenida Afonso Pena, com a Rua Pedro Celestino, em Campo Grande (MS), onde mora há seis anos. A conversa acabou sendo transferida para a Praça do Rádio Clube, localizada em frente da sorveteria, fechada no horário em que tínhamos marcado o encontro. Foi num dos bancos próximo ao parquinho e embaixo de uma das árvores que alegram o lugar que ela falou da infância, da adolescência, da época da faculdade, da fotografia e dos sonhos para o futuro.

Viviane fala com tanta convicção que vai ser assessora de imprensa da Ferrari, que não tem nem como duvidar. Parece uma questão de tempo, para que eu possa ligar para ela pedindo uma credencial de visita ao box, com direito a lugar no camarote vip da escuderia italiana. Antes disso, vamos conhecer juntos a Zâmbia. Ela só corre o risco de ficar morando lá e se tornar uma nativa no país africano... No Orkut diz que vive em Cingapura e tem umas comunidades hilárias, mas, por enquanto, é em Campo Grande, que segue seus passos, se refrescando com sorvete de amarena com iogurte - levemente azedo, levemente doce - para alegrar seus dias, ao lado do Gordo que escolheu para ser seu. É de lá, dois dias após o casamento da Marê, que vem a entrevista que você lê a seguir:

Guilherme - Gostaria que você começasse falando seu nome, sua idade e onde você nasceu.
Viviane
– Onde eu nasci dá medo (risos). Viviane Duarte de Amorim, 24 anos, eu nasci em Ladário, gente. É ali na cidade da Kely (risos).

Gui – E o que você faz, Viviane?
Vivi
– Eu sou jornalista, agora faço assessoria de imprensa para CDL [Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Grande], aquele monte de empresários.

Gui – Você só nasceu em Ladário e depois foi para Corumbá, é isso?
Vivi
– É. Meu pai era do Exército, aí como na Marinha era de graça, o pessoal falou vai lá. Com a minha prima aconteceu a mesma coisa agora, a filha da minha prima nasceu em Ladário também.

Gui – Você não recomendou? Falou ‘não faça isso com a sua filha’?
Vivi
- É, né? Mas como o marido dela é militar e, na Marinha é de graça, não tem jeito. Minha família é do tipo que não pode ver promoção, coisa de graça.

Gui – Como foi a sua infância em Corumbá? Do que você brincava? O que você gostava de fazer?
Vivi
– O que eu gostava de fazer? Meu Deus do céu, eu fazia de tudo! Eu quase não vim com joelho mais. Eu tenho cicatriz na perna inteira, andava igual a um menino. Jogava bola, brincava de pique-esconde, jogava taco, aqui é bete, né? Jogava taco! Que mais? Cola-cola americano, subia em árvore e jogava vídeo-game na barraquinha do tio do lado de casa, que era R$ 1 a hora, quando a minha mãe comprou o vídeo-game perdeu a graça.

Gui – E de boneca você não brincava?
Vivi
– Eu brincava! Brincava com as minhas amigas ladies.

Gui – O que eram amigas ladies?
Vivi
– As minhas amigas menininhas. Com elas eu brincava de boneca, Às vezes, em casa eu brincava de boneca. Acho que eram uns 15 meninos na rua, só eu de menina, então eu me adequava: com os meninos eu brincava de brincadeira de meninos e com as meninas eu brincava de Barbie.

Gui – Você tem um irmão, né?
Vivi
– O Luís Felipe.

Gui – Ele é quantos anos mais novo?
Vivi
– É três anos mais novo, ele tem 21.

Gui – Você brincava bastante com ele ou mais brigava?
Vivi
– A gente brigava e brincava do mesmo jeito. A gente é do tipo: se bate, mas não se separa.

Gui – Como foi a fase seguinte da adolescência? Os primeiros namoros, o primeiro beijo...
Vivi
– Gente, o meu primeiro beijo, menino, foi no show do Gabriel O Pensador.


Gui - Tinha show do Gabriel O Pensador em Corumbá?
Vivi
– Tinha. Show dele, do PO Box e Molejo, os tops de linha foram para Corumbá. Aí, a gente tava no show do Gabriel O Pensador, eu e meu irmão, eu tinha 13 anos... Eu meu irmão e a babá, coitada dela, gente!

Gui – Vocês tinham uma babá com 13 anos?
Vivi
– É por causa do meu irmão e tudo, como eu não queria... Ela trabalhava lá em casa. Quando meus pais saiam, ela que cuidava da gente. Aí para o show, lá foi ela, coitada, Eu dei um sumiço naquele dia, fui atrás do poliesportivo de Corumbá, beijei o filho da dona do Boticário.


Gui – Era o menino mais bonito do bairro?
Vivi
– Não! Nossa, ele era muito feio, ele é muito feio até hoje!

Gui – (risos) E, como assim?
Vivi
– Não sei, a minha amiga namorava o amigo dele e falou fica com ele, ele é legal. Eu falei puta merda!

Gui – O primeiro beijo nunca é um beijo de verdade ou foi um beijo tipo...?
Vivi
– Foi um beijo, mas daí eu olhei para cara dele, ele me beijava, eu pensei “o que estou fazendo aqui?”. Aí, quando parou, eu olhei para cara dele e falei: “Só isso?” Eu fiquei nervosa, treinei na bacia de gelo, pra ser só isso? Foi bem assim, bem trash.

Gui – E depois, como você decidiu vir para Campo Grande fazer Jornalismo? Como foi essa decisão de cursar Jornalismo?
Vivi
– Olha não me faz pergunta difícil. Eu sempre gostei de jornalismo, eu sempre vi as pessoas escrevendo, o meu avô diz que é poeta. Ele sempre escrevia, ele não é uma figura muito marcante nesse sentido, mas ele sempre falava que eu tinha que escrever. Para o meu pai e para minha mãe eu tinha feito Medicina ou Direito, que dava mais oportunidade e blá, blá, blá, só que eu não quis. Eu acabei gostando de escrever, acabei gostando desse tipo de coisa, depois que eu entrei na faculdade...

Gui – Mas antes disso você pensou em fazer algum outro curso?
Vivi
– Não! Meu pai quase me convenceu a fazer Medicina, mas eu fiquei pensando quantas pessoas eu ia matar.

Gui – Quando você era criança pensou em ser astronauta?
Vivi
– Astronauta, bombeira, piloto de Fórmula 1 (risos)

Gui (rindo) – Ah, é verdade! Você sempre fala isso!
Vivi (rindo)
– Eu quero ser piloto de Fórmula 1!

Gui – Você ainda vai ser assessora de imprensa da Fórmula 1?
Vivi
– Eu vou ser assessora de imprensa da Ferrari, claaro. Eu vou fazer assessoria para equipe da Zâmbia...para o Grande Prêmio da Zâmbia!

Gui – Daí, quando você entrou na faculdade o que aconteceu?
Vivi
– Quando eu entrei na faculdade eu fui morar com duas amigas. Uma eu conhecia bem, já tinha estudado junto, que era a Ariane, e a outra era a Silvinha. A Silvinha eu fui conhecer depois que eu morei aqui. No primeiro ano de faculdade você nunca é muito certo e as pessoas que moram aqui já são mais chatas, já tem suas manias. E acabou que não deu certo, daí eu mudei para o [residencial] Eudes [Costa]. Eu fiquei no Eudes algum tempo. Morei com outras pessoas, mas... Eu sou um tanto quanto difícil, quem me conhece sabe disso.

Gui – Das pessoas que você morou, quem foram as mais marcantes? Quem deu mais certo?
Vivi
– O Miro e a Geovana. O Miro foi muito pouco tempo, mas foi legal pra caramba morar com ele. A Geo foi uma pessoa muito legal. Agora, nosso primeiro ano eu não esqueço de ter morado com a Ariane, por causa das festas que a gente fazia lá em casa e as puteadas que eu levava depois. Tipo, quando ela viajou para o Intercom e mudou uma galera lá pra casa uma semana. Essas coisas são mais marcantes. A Ariane foi uma pessoa bem marcante, depois ela me expulsou de casa, a gente brigou e tudo, mas tudo bem.

Gui – O Alcindo era muito engraçado?
Vivi
– O Alcindo era muito engraçado, gente! O Alcindo olhava para mim...Eu chegava em casa, o Alcindo estava sentado reto, com a postura 90 graus, segurando um livro, e dizia: (imita em tom grave e sério a entonação e a pronúncia correta dele) “Boa noite, Viviane, que bom que você chegou. Vou preparar o nosso jantar.” O Alcindo era um doce! Foi nessa época que eu morei com o Alcindo que eu descobri que eu não precisava de TV para viver. Fiquei seis meses sem televisão. Eu ouvi a Olimpíadas inteira no rádio! E aí quando eu morei com o Alcindo, a Camila e a Marê eram as minhas vizinhas de cima. A época do Eudes Costa foi uma muito legal.

Gui – E como foi a faculdade no geral? Quais foram as descobertas que você fez? Qual crescimento te proporcionou?
Vivi
– Eu descobri... Fora ter conhecido as pessoas que eu conheci, de ter aprendido muito com elas. Eu descobri uma coisa que eu me apaixonei que foi a fotografia. Tipo, eu não sabia que era tão bom, mas é uma coisa que me deixa muito bem, eu podia trabalhar com isso para o resto da minha vida, sem reclamar de nada.

Gui – É o que você quer fazer, quando você pensa em jornalismo?
Vivi
– Eu penso em fotojornalismo, penso em foto. É o que eu acho mais tocante, mais emocionante. É o que eu acho que tem de mais bonito. Não que escrever não seja bom, eu amo escrever. Mas quando você consegue passar, um sentimento sem precisar escrever uma palavra eu acho isso, para mim, muito mais tocante, uma experiência muito mais legal. E quando eu descobri fotografia para mim foi ‘tchurum!’, achei a razão da coisa.

Gui – Você lembra quando foi esse momento? Em que ano ou em que aula? Foi nas aulas de fotojornalismo, antes ou depois?
Vivi
– Eu acho que foi antes, quando a gente pegava a máquina no laboratório, eu comecei a mexer com isso e comecei a descobrir uns fotógrafos legais. A aula de fotojornalismo foi para me acrescentar conteúdo mesmo, de como fazer, o que fazer, como usar, foi a parte mais técnica. A descoberta da fotografia mesmo, foi um pouco antes, quando eu usava a máquina de fotografia para brincar.

Gui – Ontem eu estava fuçando o meu computador e achei uma foto em que eu estou num carro antigo na UFMS. Você não vai lembrar nunca. Nós estávamos andando na federal e achamos um carro de mil novecentos e bolinha e começamos a fazer um ensaio fotográfico...
Vivi
– Não me é estranho isso, minha mente captou um pedaço disso...

Gui – Eu vou te mandar. (A foto está postada abaixo da entrevista). Eu falei ‘que foto linda, foi Viviane isso’ e lembrei do dia.
Vivi
– O problema foi depois da faculdade com relação a fotografia. Algumas pessoas tentaram me desacreditar disso. Não desacreditar disso. Não, ‘isso não é bom’, mas ‘eu sou melhor que você nisso, eu faço isso muito melhor que você’. Eu sempre falava, gente, mas muita gente pode fazer melhor do que eu, muita gente pode fazer pior do que eu, muita gente pode fazer igual...

Gui – Mas daquele jeito só você, né? Com aquele olhar, a fotografia é muito isso, né?
Vivi
– É muito pessoal. Eu acho também que é uma coisa de prática. Eu lembro que o Hélio não conseguia fotografar nada e de repente ele saiu um dos melhores que eu já vi. Eu acho que você aprende muito, você aprende com o olhar. Você precisa também ter o feeling para a coisa, gostar um pouco daquilo. Depois você aprende o que fazer, como fazer, o que olhar, você acha o seu foco.

Gui – Você tem uma máquina hoje? Você fotografa?
Vivi
– Eu ainda não tenho uma máquina. Eu preciso comprar uma máquina, mas agora eu uso a da CDL.

Gui – Qual é o seu objetivo com a fotografia? É trabalhar em um jornal? É fazer foto...
Vivi
– O problema que eu vejo em jornal é que você fica muito condicionado ao que os outros querem. Eu acho legal você fazer aquilo que os outros querem com o seu olhar, mas aí tem que ser o Sebastião Salgado, o Paolo Pellegrini, a trabalhar na [Revista] Magnum. Eu lembro um dia que eu falei para a Fu que eu queria trabalhar na Magnum. Ela respondeu “graças a Deus, você não é arrogante o suficiente”.

Gui – E como foram as pessoas que você conheceu na faculdade? Quais foram as que mais marcaram e por quê?
Vivi
– Olha, as pessoas... Gente, tem tanta gente que me marcou nessa época da faculdade: a Maria Eliza, a Maria Fernanda, a Camila Abelha...

Gui – A Maria Eliza por quê?
Vivi
– Eu não sei, eu gostei da Marê gratuitamente. Eu lembro que ela sentava lá na frente, só perto da Isabela, e eu chegava para conversar com ela. Toda vez eu ia lá e ficava tentando puxar assunto com ela. Eu não sei, eu gostei dela gratuitamente, antes dela falar com todo mundo. A Fu, bom não tem como não gostar da Fu, né? Agora a Camila Abelha é muito pelo jeito dela, é muito pelo jeito “Ahhh...”. Ela é muito mal-humorada. Eu gosto muito do jeito dela. Ela dá bronca até quando ela está sendo legal com você.

Gui – São pessoas que você acha que vai levar para o resto da vida?
Vivi
– Sinceramente, eu espero que sim. Sinceramente, eu espero que sim. Não foram só elas, foi você, a Maureen, a Marina. O Bruno eu já conhecia, o Xixão eu já conhecia, mas a gente teve um estreitamento muito maior depois. A Isabel, eu adoro a Isabel, como diz o meu pai, ela é a minha amiga que coça o saco. E todas essas pessoas... Acho que a gente se encontrou. Eu tava falando pra Maureen a gente é tão chato, tão... Tão tudo, que a gente se encontrou ali, fechou. Olha, são pessoas que eu pretendo levar para o resto da minha vida. Eu quero ficar velha, como diz a Marê, ficar velha com pés de galinha e imaginar o que a gente vai estar fazendo.

Gui – Como foi sua relação comigo? Como eu sou?
Vivi
– Com você? Você é legal, eu gosto de você! Eu não sei falar muito assim, mas você é uma das pessoas que eu mais gosto.

Gui – Pode falar mal também. Críticas e elogios...
Vivi
– Hummm... Eu não sei o que falar mal. Não tenho o que falar mal, às vezes, a gente até procura, mas não tem o que falar mal, cara. Acho que, cara, num tem o que falar mal de você.

Gui – Nem bem? Eu sou só legal?
Vivi
– Cara, você é uma pessoa extremamente inteligente. É uma pessoa que escreve muito bem. Quando eu lia seus textos, eu ficava pensando “eu não vou escrever assim igual ele não”. Isso é de você e do Hélio. Gente, eu não consigo escrever como eles. São pessoas extremamente inteligentes. Eu esqueci de falar do Hélio, eu gosto do Hélio. Tudo que eu sei da minha vida sexual eu aprendi com o Hélio.

Gui – Você entrou na faculdade virgem, né? Pode contar isso no blog?
Vivi
- Entrei na faculdade virgem. Pode, pode contar isso. Entrei na faculdade virgem, a maioria das coisas que eu aprendi foi com o Hélio, as outras coisas, como diz a Marina, é um chip que está na nossa cabeça, é só a gente usar que vai.

Gui – Como assim? Você aprendeu na prática com o Hélio? Para as pessoas entenderem...
Vivi
– Olha, não foi na prática, não que geral não tenha tentado, mas não foi na prática. A única namorada dele era a Luciana (risos). Ai meu Deus...

Gui – E como você avalia o governo Lula? Essa é parte séria da entrevista, né?
Vivi
– Eu tenho medo dessa parte séria da entrevista, por que tem certas coisas que a gente tenta ignorar para não ficar tão revoltado. Não sei, sabe o que eu acho: que ele não governa, ele põe os outros para governar. Ele está ali para posar e assinar papéis que dão para ele. Eu acho que ele é muito omisso em certas coisas, muito... Eu não sei, mas, às vezes, dá a impressão de que ele está a passeio no cargo. Eu acho que antigamente ele tinha uma causa, ele lutava por uma causa, hoje em dia a causa dele não faz mais sentido para ele mesmo. Acho que ele perdeu um pouco disso.

Gui – Que tipo de governo a gente precisaria ter para resolver os grandes problemas que existem no País?
Vivi
– Eu acho que não é um tipo de governo que a gente tem que ter. A gente tem que mudar a mentalidade da população, das pessoas que trabalham por nós, as pessoas que tem essa voz de comando por nós. Para mim mentalidade só muda, com educação. É começar de baixo, começar com as crianças e eu fico pensando como que a gente vai conseguir mudar, se as pessoas que estão lá não pensam nisso. Eu não sei que tipo de governo poderia fazer isso. Que, para mim, o mundo inteiro é um pouco assim. O meu medo é desacreditar de tudo, sabe, tipo, foda-se.

Gui – Você acha que o jornalismo tem um papel importante nesse processo?
Vivi
– Extremamente importante. Apesar de tudo nós somos formadores de opinião. Nós temos condições de mostrar o que está certo e o que está errado, o que é bom e o que pode prejudicar a gente. Se bem que muito de nós ficamos presos a redações e opiniões. Você sabe que têm certas coisas que a gente não pode falar, não pode escrever, que a gente não pode opinar, mas a gente pode fazer muita coisa sim! Temos um poder na mão para melhorar a sociedade, mas muito de nós não usam isso, muitos usam errado, mas tem as pessoas que fazem as coisas boas.

Gui – O que falta para o jornalismo ser esse instrumento de mudança?
Vivi
– Acho que precisa de ética! Acho que precisa de ética dos donos de jornal, aos jornalistas, a todo mundo que trabalha dentro de uma edição, tanto de TV, quanto de rádio, quanto de assessoria. Acho que falta muito dentro de tudo isso é ética, as pessoas não querem saber de nada, as pessoas não querem saber o que elas vão fazer, como elas vão fazer. Elas não pensam o quanto elas vão prejudicar as pessoas, só pensam em si mesmas. Eu conheço muita gente que não mede esforços para chegar onde quer. Eu acho que é uma questão de ética, é uma questão de princípios. Falta muito isso.

Gui – Você namora?
Vivi
– Eu namoro, de novo (risos).

Gui – Como é o nome do seu namorado?
Vivi
– É o Jonas. É o Jonas Feliz.

Gui – Ele é o homem da sua vida? Você acha que vai casar, ter filhos?
Vivi
– É engraçado, eu imaginei que você fosse fazer esse tipo de pergunta, eu fiquei pensando ‘eu não sei responder isso’. Sempre que a gente ama alguém a gente acha que vai, né? Eu espero que sim, eu espero que sim. Eu não posso falar por ele. Se bem que ultimamente a gente andou conversando, mas...

Gui – Vocês são muito parecidos? Muito diferentes?
Vivi
– Nós somos muito parecidos, nós somos muito parecidos! A gente gosta das mesmas coisas, a gente aprende um com o outro. Mas eu acho que para casar a gente precisa ter mais maturidade. Precisa ter mais grana do que a gente tem, porque só de amor não dá, não há psicológico que resista. Então eu acho que tem todo um trabalho a ser feito antes de casar, mas eu quero sim. Eu gosto muito dele.

Gui – Vocês tiveram uma briga. O que não tinha dado certo? Não precisa entrar em detalhes, mas foi ciúmes, foi...
Vivi
– Não foi ciúmes. Olha...

Gui – A relação desgastou, o que foi?
Vivi
– Eu acho que foi um pouco disso sim. Como eu não estava trabalhando eu fiquei muito dependente dele. Fiquei muito dependente dele. Fiquei fazendo as coisas para ele. Isso me prejudicou, prejudicou a relação. Não digo que a culpa tenha sido só minha, tenha sido só dele. Mas é... É muito um desgaste, a gente tava vivendo uma vida de casado e só tinha alguns poucos anos de namoro, sabe? A gente não teve tanto tempo de namoro, mas eu acho que isso é uma questão de maturidade. Acho que agora a gente leva as coisas de uma maneira melhor, hoje as coisas melhoraram.

Gui – O que você pensa para o futuro? Quer continuar morando em Campo Grande? Vai voltar para Corumbá?
Vivi
– Olha, eu não quero voltar para Corumbá.

Gui – Nem quando você for velhinha e disser ‘vou descansar agora’?
Vivi
– Não. ‘Vou descansar agora”, passo uma semana lá e volto. Acho Corumbá uma cidade maravilhosa, mas eu não tenho intenção de morar lá, não tenho. Agora, se por um motivo de força maior eu tiver que ir, eu vou claro. Eu gosto muito de Campo Grande também. Eu acho que é uma cidade que tende a crescer muito. Eu acho uma cidade muito bonita, me adaptei bastante, conheci pessoas ótimas. Campo Grande é uma cidade que marcou muito a minha vida. Agora fazer igual você e a Fu é para quem tem muito coragem. Ir para uma cidade muito maior...Eu quero viajar bastante, conhecer outros lugares, visitar vocês em São Paulo, sabe? Mas eu não penso em morar em uma cidade muito grande, com os problemas que as cidades grandes têm, até por que eu penso em casar e ter filhos. E para criar filhos tem que ter um ambiente legal. Eu acho que lá não tem. Eu tenho uma prima que mora lá e tem dois filhos e eu vejo gente que mora lá e as crianças não tem a infância que a gente teve. Eu quero que meus filhos tenham infância. Acho que tanto agora quanto no futuro eu sou uma pessoa um pouco mais calma. Eu acho que São Paulo ia me expulsar de lá (risos).


Gui – Daqui dez anos, você vai ter 34 anos. O que você já quer ter feito? Vai estar trabalhando com fotografia, vai ter três filhos...?
Vivi
– Eu quero ter a minha máquina fotográfica! (risos)

Gui (rindo) – Que mais?
Vivi
– Eu quero ter minha casa, meu carro, quero estar casada, pelo amor de Deus! Eu quero ter meu filhos...

Gui – Quantos filhos?
Vivi
– Por mim eu teria vários filhos, mas a minha mãe diz que depois que a gente tem o primeiro, a gente pensa muito antes de ter o resto. Mas eu quero ter filhos, eu quero muito ter filhos. Meu Deus do céu, outro dia eu estava ouvindo uma menina falar, com relação a Copa 2014: ‘vai ter a Copa aqui no Brasil e eu tenho que comprar meus ingressos para os jogos’. Eu falei ‘gente! Eu vou ter 30 anos, não sei nem se eu vou estar viva, se vou estar casada, não sei se eu vou estar morando aqui, se eu vou estar no País’. As pessoas fazem planos demais. Eu tenho os planos básicos. Nada de muito relevante por que acho que a gente tem horas que não manda muito nas coisas.

Gui – Você pensa em fazer mestrado? Ou área acadêmica não é a sua?
Vivi
– Olha, eu faria para adquirir conhecimento. Eu quero entrar numa pós, que nem comecei ainda. Quero fazer um mestrado, mas eu quero na área de fotografia, na área de audiovisual, essas coisas, que eu acho mais interessante. Mas fazer isso não para dar aula, não sei se eu sou muito boa para isso, mas para adquirir conhecimentos. Eu acho que é válido. A gente perde de não estudar, eu já estou sentindo muita falta.

Gui – Você se acha sexy?
Vivi
– Ai, meu Deus, isso foi um papo que rolou no dia da despedida de solteira da Marê. A única coisa que eu falava: “gente, eu não sou sexy, eu não sou sexy”.

Gui – Mas você tem uma sensualidade. Uma coisa de se vestir, de destacar os peitos, que você acha que são muito bonitos. Não estou dizendo que não é, acho que é a sua opinião...
Vivi
– É que você nunca viu (risos)...

Gui (risos) – Você tem isso, não tem?
Vivi
– Não sei. Acho que toda mulher tem essa coisa de querer se vestir para chamar atenção de alguém, sabe? Mas essa coisa de ser sexy, de ser sensual...num... Nossa, eu fico pensando que na despedida da Marê a gente tava... Eu posso falar? Será que eu posso falar? Não sei, mas a gente tava conversando esse negócio de ser sexy ou de ser sensual, eu falei que para fazer um streep tease, meu Deus do Céu, eu ia ter que estar muito bêbada. Eu não ia conseguir dançar de lingerie e salto alto, me achando a gostosa...

Gui – E não parecer o snoopy...(risos)
Vivi
– É, e não parecer o snoopy. Eu sou o snoopy! Quem sabe um dia o snoopy saia de mim, mas são coisas que a gente vai aprendendo com o tempo. Eu acho que com o meu namorado eu não sou o snoopy, sabe? Mas, não sei.

Gui – Você tem síndrome de Peter Pan?
Vivi
– Cara, eu não tenho medo de ficar velha, mas às vezes, eu acho que tenho atitudes um pouco mais infantis. Eu acho que é o tipo de coisa que eu tenho que mudar em mim, eu sempre penso nisso: eu já não tenho mais idade para ter certos tipos de atitudes. É uma coisa que eu tenho pensando bastante, principalmente, agora. Eu estava pensando esses tempos: tenho 25 anos, tem certas coisas que não dá mais para eu agir. Mas eu sou muito brincalhona, eu não sei...

Gui – Tem certas coisas que a gente não perde, que são da gente...
Vivi
– Mas tem certas coisas que eu queria mudar em mim, com relação a isso.

Gui – Do tipo?
Vivi
– Essa minha coisa de ser muito brincalhona e de, às vezes, não medir as consequências das coisas. Acho que o problema é esse: você brinca achando que não há problema, mas a cabeça dos outros... A gente tem que sempre pensar um pouco pelos outros. Eu acho que eu tenho que colocar um pouco isso em mim. Tem certas coisas que as pessoas não aceitam. Tem certas coisas que eu já não tenho mais idade para fazer. Tem certas coisas que eu penso como uma pessoa mais madura, mas tem algumas coisas que não. Acho que a gente sempre tem defeitos, né? Mas eu não tenho síndrome de Peter Pan, de medo de ficar velha e tal. Eu vou curtir para caramba ficar velha.

Gui – Como é a relação com os seus pais?
Vivi
– A relação com os meus pais é boa. Eles são rabugentos iguais a mim, mas a gente tem uma relação boa. Em alguns pontos com eles eu tive que agir com muito mais maturidade do que eu deveria ter agido na época que algumas coisas aconteceram. Mas a gente teve alguns problemas, em que tive que me colocar na função de mãe ou na função de pai, sabe?

Gui – Quem faz o papel de bravo e quem passa a mão na cabeça?
Vivi
– Esse é o problema na minha casa: eles competem para saber quem é que manda.

Gui – Os dois querem mandar?
Vivi
– Os dois querem mandar, mas muitas vezes, quem manda sou eu, sabe? Ou quem manda é meu irmão, esse que é o negócio. Nós temos papéis fixos, mas, às vezes, a gente troca. Ah, que isso não chegue nos ouvidos deles.

Gui – Eles vão ler essa entrevista...
Vivi
– Eles vão ficar um tanto quanto bravos (risos). Meu pai briga bastante comigo, ele é muito rabugento.

Gui – É engraçado que repetimos esses comportamentos. Tentamos não ser como eles, mas acabamos muito parecidos. Eu sou muito parecido com a minha mãe em algumas coisas.
Vivi
– Nossa! Tem muita coisa que eu não gostaria de ter deles. Tem muitas coisas que eu gostaria de ter.

Gui – São defeitos graves e visíveis e você vai lá e faz a mesma coisa...
Vivi
– Faz a mesma coisa, a mesma coisa. Eu sou rabugenta igual, eu sou briguenta igual meu pai. Minha mãe sempre fala isso: você é igual ao seu pai.

Gui – Vamos para o bate-bola?
Vivi
– Vamos!

Gui – Um lugar?
Vivi
– A minha casa, ultimamente eu tenho gostado muito dela (risos).

Gui – Família
Vivi
– Cara, família, foi o que me ajudou a estar aqui hoje. Foi o que me ajudou a dar força, foi o que me ajudou a ter um norte e a buscar minha independência. Eles sempre foram muito parceiros, são as pessoas que me dão força para chegar onde eu quero.

Gui – Um exemplo
Vivi
– Um exemplo? Um exemplo, para mim, são os meus amigos. A gente na faculdade se deu tão bem que, os meus amigos são os meus exemplos de como crescer.

Gui – Amor
Vivi (fazendo voz carinhosa)
– Amor é o gordo! (risos)

Gui – É assim que você chama ele? É o apelido?
Vivi
– É o gordo, é o gordo. Ele tem um apelido muito comprido, deve ter umas 15 palavras, mas deixa só para ele (risos).

Gui – Não pode falar?
Vivi
– É bocó demais, dá vergonha de falar...


Gui – Agora vai...
Vivi
– Não, não, não...

Gui – Vai, Viviane... Com qual palavra começa?
Vivi
– É princeso, a primeira palavra é princeso.

Gui – E a última?
Vivi
– Senhor bigodes (risos)

Gui (rindo) – Já está bom.
Vivi
– A gente sempre acha uns apelidos desses...

Gui – Fotografar
Vivi
– É por a alma da gente em exposição!

Gui – Uma qualidade?
Vivi
– Em mim? Eu sou pau para toda obra!

Gui – Uma qualidade que você admira nas outras pessoas?
Vivi
– Força de vontade

Gui - Um defeito seu?
Vivi
– Meu Deus do céu, vamos começar pela lista...

Gui (risos) – Só um dos 15 que você lembrou...
Vivi
– Ai, um defeito meu? Ajuda aí Guilherme, é difícil falarmos dos defeitos da gente. Um defeito meu? (solta uma gotícula de saliva voadora)

Gui – ... Que você baba (risos). Isso é um defeito grave
Vivi (rindo)
– Agora foi sem querer, eu não babo sempre. Um defeito meu? Sou muito mandona. Sou extremamente mandona, esse é um defeito muito claro.

Gui – Um defeito que você não gosta nas outras pessoas
Vivi
– Não gosto de gente egoísta, não gosto de gente egoísta.

Gui – Como que você gosta das pessoas da nossa turma?
Vivi
– É por que eu já me adaptei (risos).

Gui – Um momento de alegria?
Vivi
– A formatura foi um momento de alegria! A gente chorou tanto, mas foi tão legal. Foi tão feliz!

Gui – Um momento de tristeza?
Vivi
– Cada vez que um amigo meu vai para longe de mim é um momento de tristeza, sempre. Cada momento desse é um momento de tristeza.

Gui – Uma comida
Vivi
– Você vai perguntar isso para uma pessoa igual a mim? Ai, deixa eu pensar. Estrogonofe. Adoro estrogonofe.


Gui – Uma fruta
Vivi
– Pêssego

Gui – Uma cor
Vivi
– Amarelo!

Gui- O Brasil
Vivi
– Um lugar que pode melhorar bastante. Eu acho que vai entrar no rumo certo

Gui – O jornalismo?
Vivi
– A melhor profissão do mundo

Gui – Uma frase?
Vivi
– Eu não sou o tipo de pessoa que tem frase (risos). Eu não sei nenhuma de cabeça.

Gui – Um poeta
Vivi
– Eu gosto do Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, do Vinícius de Moraes.

Gui – Você não lembra nada deles? Uma poesia que você goste...
Vivi
– Deixa eu ver... Olha, eu sei tantas do Vinícius, mas não sei quais. Você sempre cai no clichê da mais falada. Eu gosto de um poema do Vinícius, que chama Poema Enjoadinho, que fala sobre os filhos. [Filhos... Filhos?/ Melhor não tê-los!/ Mas se não os temos/ Como sabê-lo?/ Se não os temos/ Que de consulta/ Quanto silêncio/ Como os queremos! (...)]

Gui – É legal?
Vivi
– É muito bonitinho. Fala dos prazeres e dos desesperos de ser pai.

Gui – Um livro
Vivi
– “De Amor e Trevas” de Amós Oz. É um dos meus escritores preferidos. Ele e o Gabriel García Marquez são meus escritores preferidos. Esse “De Amor e Trevas” é um livro fantástico.

Gui – Uma foto
Vivi
– Uma do Sebastião Salgado, de um livro dele que é só sobre os trabalhadores. São uns trabalhadores em uma fábrica, então é tudo muito escuro, me parece alguma coisa muito suja, me parece petróleo. Sei lá é tudo muito escuro. Eu acho que ele consegue passar muito. Não parece ser a pessoa mais agradável do mundo e ele consegue passar isso. Tem uma outra fotógrafa que eu gosto que é a Cristina García Rodero, uma espanhola. Ela fez um ensaio sobre as crianças na... Tem uma festa, acho que é na África, e todas as crianças estão mergulhadas na lama e outras que estão com a cara branca. Tem muitas fotos, tem muitos fotógrafos que eu gosto. Então, falar de um só é complicado.

Gui – Você se lembra de alguma matéria que te marcou no jornal escrito, televisivo, radiofônico ou on-line? Algo que você considerou foda e pensou: “queria ter escrito isso”?
Vivi
- Olha, eu vou te confessar uma coisa: minha memória é ótima para coisas inúteis

Gui – Para coisas úteis...
Vivi
– Olha, essa é uma frase boa: ‘Minha memória é ótima para coisas inúteis!’


Gui – Olha, que eu começo meu texto sobre você com isso.
Vivi (risos)
– Terrível. Não vou conseguir lembrar de uma matéria. Eu lembro das coisas de mais impacto, sabe? Coisas de acidente me deixam muito assustada, mas agora eu não consigo lembrar de uma matéria que eu gostaria de ter escrito, eu não consigo lembrar. Mas eu sei que eu queria ter feito a cobertura de Woodstock. Eu ia me divertir horrores.

Gui - Uma novela?
Vivi
– Novela? Nossa, além de Maria do Bairro? (risos). Além de Maria de Maria do Bairro, só Carrossel, cara!


Gui – Um ator
Vivi
– Um ator.... O Johnny Deep, acho que é um ator bom. “Onde eu compro um Johnny Deeep?”, eu tenho essa comunidade no Orkut.

Gui – Uma atriz
Vivi (silêncio)
– Você vê como para essas perguntas eu sou difícil. Tenho que pensar bastante.

Gui – A pessoa bloqueia as mulheres da vida...
Vivi
– Eu bloqueio tudo, nunca vi, quando em casa perguntam eu entro em curto. Tem um cachorro ali que parece um porquinho da índia. É... Uma atriz? Eu gosto da Jud Dret. Ah, e eu adoro a Julie Andrews...

Gui – Chega, né?! Um lugar de Campo Grande que você adora?
Vivi
– O Horto. Adoro o Horto.

Gui – E de Corumbá?
Vivi
– Um lugar que eu adoro em Corumbá? Tem tanto lugar, além da minha casa, da casa da minha avó. Cozinha da casa da minha avó é o lugar que eu mais gosto de Corumbá.

Gui – Um recado final. Um beijo para mim, para sua mãe, para Sasha...
Vivi
– Eu não quero dar um beijo na Xuxa, nem na Sasha. Eu quero falar que é muito bom ter vocês como amigos e foi muito bom esse final de semana que eu pude ver vocês. Foi muito bom! Eu acho que a gente se encontrou e tem muitas coisas ainda para viver juntos. Um beijo para o Jonas, para minha mãe, para o meu pai e para o meu irmão e para minha avó também.

Gui - Faltou a Xuxa e a Sasha, né?
Vivi
– A Xuxa e a Sasha não!

Gui – Nem para a Maísa?
Vivi
– Aquela guria usa droga, cara!

Gui – Para a Maria Fernanda todo mundo usa droga também. Se tem um atendente meio retardado em São Paulo, ela fala: ‘essa pessoa usa droga’.
Vivi
– Todo mundo usa droga, mas a Maysa usa mais. Essa mãe dá leite com Prozac para essa criança.

Gui – Quem é Viviane? Viviane por Viviane.
Vivi
– Você está cheio de perguntas difíceis. Eu tinha razão em ter medo da entrevista.

Gui – Você estava achando que acabou, né?
Vivi
– Eu estava achando que acabou na hora do beijo. Não... Ai, Viviane por Viviane? Não sei, eu sou uma pessoa que está em constante construção. A cada hora eu descubro uma rachadura nova e a cada hora eu tento consertar. Eu acho que eu sou uma pessoa em constante construção, atéeee... Eu acho que a gente só finaliza isso quando morre. Que é uma coisa do dever cumprido.

Gui – Você é uma mulher forte?
Vivi
– Eu acho que eu sou uma pessoa forte. Eu sou uma pessoa decidida, que está encontrando agora a sua determinação, o seu propósito. Acho que agora eu estou começando a amadurecer, agora a construção está ficando mais avançada.

Gui – Já ergueu as paredes?
Vivi
– Já ergui as paredes, o problema é que falta o teto, né? (risos)

Gui – E o acabamento, né? (risos)
Vivi
– Isso foi sacanagem (risos).

Gui (rindo) – Foi zueira.
Vivi
– Isso não vale.

Gui - Ah, então, tá, é isso. Quer falar mais alguma coisa?
Vivi
– Não, não... Eu fico sem-graça, é engraçado como eu pareço extrovertida e sou tímida.



Eu em 2004, by Viviane Amorim.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pessoas que não existem

Caminhavam cabisbaixas com seus sorrisos tímidos presos entre os lábios, enquanto os olhos levemente puxados e negros cuidavam dos carros para que pudessem atravessar a rua. Ali, naquele país de oportunidades, aquelas duas jovens já se sentiam em casa. Seguiam pelas bandas do Bom Retiro, onde nas proximidades da Rua José Paulino - conhecido centro comercial - trabalham número expressivo de conterrâneos.

Os cabelos lisos, negros, cumpridos e grossos esvoaçavam ao vento, mesmo que estivessem presos. Elas pareciam imitar o jeito de vestir uma da outra, assim como fazem muitos grupos de jovens. Tinham traços parecidos, mas eram tão diferentes. Carregavam uma beleza peculiar dos de seu País, que poucos por aqui sabem enxergar.

Estavam, finalmente, prontas para atravessar a rua. Desceram da calçada e deram o primeiro passo em direção ao outro lado, quando, um carro desses populares, negro e rebaixado, dirigido por outro jovem - esse tipicamente brasileiro de classe média-, com som ligado e alta velocidade disparou: “Ôh, Bolíviaaa!”.

O grito rápido e forte ecoou pelos ouvidos das garotas, que finalmente mostraram os dentes mal-cuidados em um sorriso sincero. Não compreenderam o sentido do que o garoto dissera e talvez nunca consigam. Melhor assim. Ou não. Continuarão trabalhando na informalidade, em subempregos e casando entre si, sem que saibam como são vistas pelos nascidos naquele país que as “acolheu”. Permanecerão chegando cada vez mais a São Paulo e se tornarão ainda mais invisíveis. As ‘bolívias’ jamais entenderão a pequena cabeça do rapaz que tentou em vão ofendê-las. E o ‘brasil’ continuará a desconhecê-las, a aumentar o som e a acelerar ainda mais.

Entre Aspas: Em nenhum lugar existe tempo algum. Mário Peixoto

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Uma dessas coisas que a gente deseja

“Quero o de sempre”, disse, ao encostar no balcão da padaria. A atendente me fitou por alguns minutos, tentou me reconhecer, pensou e indagou: “E o que seria, senhor?”

“Você não sabe?”, esbravejei, enquanto tomava fôlego para o meu discurso: “Quero a paz! A paz sempre. Embrulha num papel pardo uns dois quilos para eu levar para casa e ter de sobra para ir distribuindo pelo caminho”. Ela me olhava atônita. Devia pensar que eu era louco. Com um sorriso entre os lábios, inventou uma resposta: “Não temos isso senhor. Mas temos bomba, sonho, carolinas...”

“Eu quero 100 gramas disso tudo, mas quero Paz. Dois quilos, por favor, que eu estou com pressa”. Ela travou. Ficou me olhando como se tivesse dó e precisasse ajudar alguém que tinha perdido o norte. Engoliu seco e disparou, dessa vez sem nenhuma cortesia: “Não se vende isso em padarias, senhor”. Aquilo fez meu sangue ferver: “Como não? Deveriam vender! Onde está a gerente, quero falar com a gerente!”. Nesse momento, a padaria inteira olhava para mim e o chapeiro grandalhão já me encarava sem paciência. Percebi que, realmente, não tinha paz ali. Essas coisas mais subjetivas não são vendidas na padaria da esquina. Vou procurar em outro lugar em que eu seja compreendido e possa dizer: “Hoje, o de sempre, por favor!”

Entre Aspas: O futuro pertence àqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A vaca

Foi uma noite de estrelas: de dor e de prazer. Era uma vaca branca, de olhos miúdos e claros. Ruminava, como todas as vacas. Mas seu mugido era diferente, como se fosse estrangeira e tivesse sotaque na hora de soltar o som comum aos da sua espécie. Isso cansava um pouco, já que emitia esse ruído sem parar. Parecia querer dizer algo. Na verdade dizia, mas não era compreendida. Mexia-se dentro do seu quadrado, se coçava com o rabo e tremelicava seu coro para espantar os mosquitos.

Era uma vaca de raça, não se botava dúvidas sobre isso, mas tão ordinária quanto todas as outras. Depois de me aproximar e encará-la, resolvi me afastar rapidamente, tomando o cuidado de olhar para trás e garantir que ela continuaria lá, dentro do seu quadrado, mugindo, coçando e ruminando. Uma vaca! (15/08/09)

Entre Aspas: Uma pessoa não é só um amontoado de frasesinhas supostamente brilhantes. Caio F.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Tenho escrito frases soltas tão ricas, completamente sem nexo, por nenhuma razão. Jamais seriam entendidas, talvez um dia sejam publicadas, às vezes penso em picha-las, sempre custo a acreditar nelas.

sábado, 15 de agosto de 2009

Crônica de uma vida real e imaginada - Dos Negos

– Firmeza, Nego Drama?!
– Beleza, mano! – responde, surpreendido, o negro de quase dois metros de altura, que circula com seu gingado e cabelos trançados pela Praça da República, em São Paulo (SP). O rápido diálogo entre dois manos das quebradas do centro paulistano dá novo ritmo às passadas rápidas de dois jovens que cruzam por eles. Eles continuam andando com pressa, mas agora tremem os corpos em gargalhadas sonoras e uma conversa entrecortada por lembranças de um tal Nego Jhow, que fez parte do cotidiano de ambos, quando cursaram a faculdade juntos.

Riam dessas coincidências, do quanto o tal cara era inconveniente e falavam da lenda que se tornou na universidade por circular por anos a fio pelos corredores procurando novas amizades, ou vítimas para suas conversas e investidas, dependendo da sua interpretação.

Tentavam imaginar quem era o Nego Drama e o que ele representava por essas bandas. Não quiseram ficar ali para conferir e nem ousaram ter a pretensão de perguntar isso. Na verdade, não pensaram nessa hipótese e, a essa altura, já alcançavam a Rua General Jardim e chegavam atrasados a mais uma aula de pós-graduação. Pena a Academia Brasileira de Jornalismo Literário ser pequena demais para abrigar um desses negos cheios de histórias e lendas.

Enquanto isso, Nego Drama, continuava exibindo seu gingado de passos firmes e malevolentes pela Praça da República. Já Jhow, prosseguia dividindo espaço com as capivaras, com seu colete ‘a prova de balas’, sua calça social, seu papo dúbio e sua intelectualidade forjada. De outro mundo mesmo. Aqui, Nego é drama, meu!

* Cena vivida por Maria Fernanda e Guilherme em abril de 2009 e recriada na imaginação do segundo em agosto do mesmo ano.

Entre Aspas: Nem toda loucura é genial, assim como nem toda lucidez é velha. Chico Buarque.

PS: Esse texto é o primeiro que reproduz histórias a partir de diálogos entrecortados ouvidas na rua, no metrô, na padaria... Uma rápida carona na conversa alheia para viajar em mundos desconhecidos. Prometido há algumas semanas, concretizado agora e - pelo menos para mim - com gosto de quero mais para os próximos dias.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Eu moraria em São Paulo - 2 anos!

Há dois anos fiz minha primeira viagem, de verdade, a São Paulo. Foi naquele agosto de 2007, que conheci a imensidão da cidade, onde vivo hoje, e vislumbrei as milhões de possibilidades que ela oferece. Vim para fazer a prova de trainee do Estadão. Não passei, mas ali tomava gosto pela cidade e afirmava: Eu moraria em São Paulo.

Cá estou hoje, morando na mesma Barra Funda em que me hospedei temporariamente há dois anos, achando que tudo isso não passa de um sonho louco acalentado no dia a dia e republicando o texto sobre a capital paulista que produzi quando voltei para Campo Grande. Veja aí:

http://www.diasdeguilherme.blogspot.com/2007/08/eu-moraria-em-sao-paulo.html

Entre Aspas: Eu sou aquilo que sonho. Eliane Brum.

Entre Aspas 2: Nosso olhar sobre o mundo, muda o mundo. Eliane Brum.

PS: Aliás, aos poucos, estou recuperando os textos antigos do meu blog anterior e publicando aqui. Abraço.

Abaixo foto da Praça da Luz, citada no referido texto escrito há um biênio. (expressão pomposa, nem sei se cabe nesse caso)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Como um conto de Clarice

Voltava feliz para casa depois de lembrar de passar na padaria predileta e comprar os pães que classifica como deliciosos. Curtia a brisa de um fim de tarde bonito, após um dia de julho mais quente que o comum em São Paulo. Havia sido um dia pouco produtivo no trabalho, mas nem isso incomodava mais. Caminhava pensando na vida, ziguezagueando pelos cerca de 20 quarteirões que separam o local de trabalho da casa.

Percebeu que atravessava o trecho de uma rua que nunca tinha estado antes. Sorriu internamente. Gostava de transitar por novos lugares, ver novas paisagens. Passaria pela lateral do metrô Marechal Deodoro e alcançaria a General Olímpio da Silveira, a avenida que carrega consigo o Minhocão, seu vizinho ilustre.

Foi aquela senhora sentada ao lado do metrô que lhe tirou do cerne. De olhar perdido e cheios d’água, ela parecia mastigar alguma coisa. A cena durou meros segundos, mas o tapa na cara foi tão forte que o sente até agora. Havia caído do seu pedestal e se juntado a ela. Talvez nunca mais fosse a mesma pessoa. Aquela imagem reverbaria por muito tempo em sua cabeça.

Os outros moradores de rua não pareciam sensibilizar mais, já quase se encaixavam no quadro que retratava seu cotidiano. Mas aquela senhora ali, indefesa com um problema nos olhos, passando por todos os terrores da rua. Não teria casa? Filhos? Alguém que a ajuda? Dormiria aquela noite ali, sentada ao lado do metrô?

Teve vontade de pegar sua mão e conduzi-la até sua casa. No caminho, se apresentariam e saberiam tudo o que é possível de uma vida em dez minutos. Longe da rua, limparia seus olhos com colírio e algodão, pentearia seus cabelos grisalhos e desgrenhados e esquentaria suas mãos frias e trêmulas. Ouviria suas histórias e conselhos de vó. Talvez colocasse a cabeça em seu colo e fecharia os olhos enquanto ela faria cafuné. Não fez nada disso. Quando se deu conta, seus passos largos já tinham afastado daquela senhora.

Pelo menos os pães poderia ter dado a ela. Nem isso. Quando o trajeto estava completo e finalmente, passava manteiga no pão para saboreá-los, engoliu-os com desprezo de quem estava em dívida com alguém. Tinha vontade de fazer sua parte e despejar seu conta-gotas no incêndio que é a miséria em São Paulo. Naquela noite nada fez.

No outro dia, acordou e ao pentear os cabelos, era como se sua imagem refletisse a da velha. Cabelos desgrenhados, olhos cheio d’água, boca mascando. Estava fora de si. Piscou os olhos novamente afastando aquela cena incômoda. Voltou para a rotina mecânica tentando esquecer tudo o que aquilo representava. Até conseguiu durante metade do dia. Mas depois do almoço, voltava para o trabalho, quando viu um outro morador de rua que dormia sobre a mão calejada e estendida, como se pedisse esmola mesmo durante o sono. O contraste da sujeira negra dos dedos, da mão branca e suas marcas, trouxeram à tona todos aqueles sentimentos de novo. Tinha culpa engasgada em seu ser. Não teria jeito, precisava agir.

***
+ Texto dedicado à Amanda, amiga poconeana, que me lembra os personagens de Clarice e nem liga mais pra mim.

Entre Aspas: Gostaria de, com o meu trabalho, levar um pouco de conforto para os aflitos e um pouco de aflição para os confortados. Galbraith

quarta-feira, 22 de julho de 2009

É tudo verdade (!) (?) (...)

Saí do trabalhado estressado naquela noite. Tinha vontade de xingar todo mundo que via pela frente. Não que tivesse acontecido algo ou que houvesse motivos aparentes para isso. Até tinha, mas era apenas um sentimento, um desejo. O jeito seria ir para um bar beber e relaxar.

Sentei no balcão e pedi uma pinga. Virei aquela dose em um gole e parti para a segunda. Engatei um papo sobre amenidades com um desconhecido. Dissequei uma garota bonita que tinha uma bunda que dialogava com meus olhos. Ela devolveu o olhar. Tudo fez sentido naquele momento. A vida era aquilo e não o resto que tinha vivido até então. Quando dei por mim, naquela noite que minha boca era de qualquer boca, beijava com urgência seus lábios vermelhos e apalpava seu traseiro volumoso.

Quando parei para retomar o fôlego, não reconhecia meus atos. Mal conhecia aquela mulher, não a amava, mas era tudo o que tinha e precisava naquele momento: alguém que pudesse abraçar e chamar de minha! Resolvi saboreá-la um pouco mais. Afinal, não é todo dia que seu objeto de desejo também quer te consumir (sou politicamente correto demais para escrever “comer” aqui).

De súbito, meu rosto enrubesceu, larguei seus lábios, pedi um cigarro a um homem que parecia interessado em participar da cena e fui embora sem pagar a conta, dando baforadas descoordenadas. Quem lê pensa que tudo isso é verdade. Essa história ocorreu, parte na realidade, parte na imaginação fértil desse que vos escreve. Mas foi tudo assim, pelo menos na história que construí mentalmente a caminho do bar e escrevi ao chegar em casa.

Não sei se reconheceria aquela mulher se cruzasse com ela na rua. Será que era uma prostituta, apesar da aparência solitária e refinada? Como terá acabado a sua noite? Teria resistido aos olhares do homem que me deu um cigarro em troca da minha ausência naquele recinto? Minha fantástica máquina de criar se abstém de tentar teorizar sobre isso.

O estresse havia passado, o rosto estava quente, a língua anestesiada e a cabeça...Bom, essa estava melhor ocupada e agora com o cérebro mole, escorrendo pela caixa craniana.

– Mais uma dose de pinga, por favor!

***
Entre aspas: Se os fatos não correspondem à realidade, pior para os fatos. Nelson Rodrigues.

Entre aspas 2: Assim como a gente se arruma para sair, literatura é se arrumar por dentro. Deixar a solidão vistosa. Fabrício Carpinejar.

PS: Não me reconheço vivendo ou escrevendo essa história. Ainda bem que, teoricamente, só a Marina lê meu blog.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Joel manda notícias

Almoçamos juntos na Sé há apenas uma semana, mas Carol e eu já tivemos boas notícias de Joel - o pai de família em situação de rua, que nos apresentou o Pátio do Colégio, lugar onde nasceu São Paulo (leia como foi o encontro da semana anterior no post abaixo). Eram 14h30 de sábado (18), quando meu celular tocou, enquanto eu saía da lavanderia com meu paletó passado e seguia em busca de um restaurante barato para comer. Um telefone fixo e desconhecido me ligava. Era a cobrar e desligou quando atendi.

Os bônus que tenho da Oi para fazer ligações para fixo me ajudaram a retornar. Nem imaginava quem seria, a voz do outro lado tratou de se identificar logo: “É o Joel, tenho boas notícias”. Cumprimentei-o, e ele disparou: - Saí da rua e estou trabalhando!

Fiquei surpreso com a notícia e ele explicou: “o coronel disse que eu estava precisando de um trabalho. Estou em uma construtora”. Era, com certeza, a melhor notícia do dia. Ele saiu da rua, havia alugado um quarto no bairro do Bexiga e já começara a fazer um tratamento para cuidar dos dentes.

-Mas e a bebida foi fácil parar?
- Quando a gente ocupa a cabeça é fácil, né? Agora mesmo vim trazer uns trocados para o pessoal da Sé beber e não deu vontade nenhuma de tomar pinga - , afirma.

Ele era um cara de bom coração mesmo. Foi ajudado por um homem que chama de coronel, presidente da ong "Mudar" que auxilia pessoas em situação de rua. Agora, já dá os primeiros passos de volta à vida que tinha antes de ser traído pela mulher, cair na cachaça e chegar à indigência. Joel conseguiu sair dessa. Se tudo der certo, Carol e eu iremos à sua casa na praia em breve. Torcemos agora para que Eder, Isaías, Lucas e Jéssica, os personagens que perambulam pela Sé atrás de um pega e com os quais conversamos na semana passada tenham destino semelhante.

Entre Aspas: Sucesso é acordar de manhã – não importa quem seja, onde você esteja, se é velho ou se é jovem – e sair da cama porque existem coisas mais importantes que você adora fazer, nas quais você acredita, e em que é bom. Algo que é maior que você, que você quase não aguenta esperar para fazer hoje. Do jornalista Whit Hoss.

domingo, 12 de julho de 2009

Programa para um sábado B: Vá a Sé com a Carol e almoce com o Joel

Foi um sábado chuvoso aquele 11 de julho de 2009. Com temperatura amena e nenhuma previsão de sol, cheguei a pensar em desistir do programa daquele dia. Mas como chuva nunca foi um impedimento para eu deixar de fazer nada, resolvi que ajudaria Caroline Castro na sua matéria para a pós-graduação de Jornalismo Literário. Eu seria um estepe, ajudante de jornalista, que daria segurança para ela circular pela Sé e entrevistar pessoas em situação de rua no centro de São Paulo.

A minha força física sempre impõe respeito nessas horas (...). Quem nos viu chegar tão tímidos, com medo de abordar as pessoas que vivem na rua, não imaginaria que horas depois, iríamos acompanhados de um deles almoçar e fazer um passeio turístico pela região.

Quando saímos do metrô, os moradores da região estavam ali na estação de metrô, todos jururus, se escondendo da chuva. Demos uma volta para reconhecimento do local e paramos em frente a uma lanchonete com salgados que pareciam muito saborosos. Imaginamos os mendigos passando ali e admirando aquelas tentações...

A chuva estava apertando. Voltamos para a estação e lá olhamos para aqueles que milhares de pessoas fazem questão de não ver. Sentados no chão, em cima de colchas e mantas distribuídas pela prefeitura eles disputavam espaço em frente a uma interferência artística de Cláudio Torzi denonimada Colcha de Retalhos. Na parede, os cacos coloridos com mosaicos davam contornos à paisagem compostas por pessoas e elementos da natureza.

É ali, que dezenas de paulistanos se amontoavam tentando juntar suas vidas em torno de um mesmo objetivo: a busca pelo próximo pega. No corre-e-corre das vielas históricas da Sé, vão tentando esquecer o caco de gente em que se transformaram devido ao uso contínuo de drogas e vão fazendo das próprias vidas uma colcha de retalhos.

Num dos cantos, estão Paulista, Mineiro, Di menor e Pequena, membros da maloca da Rua Direita, que já foram chamados de Isaías, Eder, Lucas e Luana em tempos remotos. De volta a estaca zero de suas vidas, sem comida, roupas, familiares ou quaisquer condições mínimas de sobrevivência tentam se reencontrar no lugar que é o marco zero de São Paulo. Ali, onde a cidade começou, eles dizem que formaram uma família. A Sé, no entanto, é nada, é ilusão, ou apenas uma passagem, segundo Isaías, para quem a vida não tem mais sentido e a morte seria apenas um adianto.

Na sujeira e correria daquele lugar surge espaço para paquera. Fabiana olha para Eder, que joga charme para Fabiana, que devolve olhares conquistadores, que cai na conversa de Eder e se beijam. Ele diz que não confia mais nas mulheres, afinal, veio parar em São Paulo após ter sido traído pela esposa em Belo Horizonte. “Elas dão trabalho”, avisa.

Mas escondidos no canto, os dois voltam a ser apenas jovens e, assim como fazem muitos outros da mesma idade, se beijam após minutos de conversa e uma sintonia. Por segundos, se curtem e esquecem que não têm onde tomar banho, que passam frio a noite, que precisam correr da polícia para não apanhar, que a próxima alimentação é sempre incerta...

O rapaz começa a pensar em reconstituir seu coração e a reconstruir sua vida. Ele quer voltar para a capital mineira. Quando isso acontecer, provavelmente, nem irá lembrar de Fabiana. Nas passadas pela Sé, eles apenas ficaram. E, aquilo não pareceu significar muito para ambos.

A conversa tinha rendido e Carol conseguiu boas histórias para rechear a sua matéria. Estávamos famintos. Nem sei que horas eram, mas já devia passar das 15 horas e queríamos comer.

Despedimos-nos dos nossos entrevistados e iríamos alcançar a escada quando fomos abordados. Não sabíamos, mas nós que achávamos que estávamos no papel de observadores, também estávamos sendo observados. Um homem de 43 anos nos interpelou. Ele cheirava pinga e queria contar sua história. Tinha achado interessante o fato de a gente ter conversado com outros moradores de rua.

Foi ali, em pé, no meio do caminho dos passageiros que se dirigem para o metrô que Joel contou como largou a vida estável de arquiteto e virou mendigo. A Sé se transformou em escola. Ele que era da Igreja Congregação Cristã aprendeu a roubar, a bater, a agredir e ser agredido. Não usa outras drogas por que odiou o gosto, mas a pinga também é uma lição dessa nova vida.

Tudo começou com a traição da mulher com quem viveu por mais de 20 anos. Foi pra rua, beber com aqueles que sempre ajudou com moedinhas. O lugar que cruzava todos os dias para ir trabalhar virou moradia. Gastou os R$ 370 que tinha no bolso, os limites dos cartões de crédito do Visa e do Mastercard e nunca mais voltou pra casa.

Após seis meses na rua, os miúdos olhos verdes dão cor a um rosto sem vida e encoberto por uma barba grisalha por fazer. Os cabelos penteados para trás, como um pai de família, davam espaço para uma ferida no alto da testa, resultado de uma queda entre uma bebedeira e outra.

Joel quer sair dessa vida. Ele vai sair. Conta com a ajuda de uma ong e pretende em breve voltar para as antigas atividades. A ex-mulher e os dois filhos não sabem que ele está ali. Essas histórias devem ser contadas num livro que o arquiteto pretende escrever quando a Sé for apenas uma lembrança. Carol está esfomeada e quer almoçar. Ela se despede de Joel e ele se convida para almoçar com a gente. Vamos, na chuva, os três dividindo dois guarda-chuvas, em direção a uma lanchonete escolhida pelo arquiteto, que hoje dorme em uma das entradas do prédio do Tribunal de Justiça.

Comemos aqueles enormes pratos feitos, com bife, arroz, salada, feijão e farofa. Ele prefere o picadinho de carne e mandioca. Comemos rapidamente por conta da fome. Sobra muito arroz, alguma salada e feijão. O garçom nordestino que lembra um ator da novela das 7, que também interpreta um garçom nordestino, recolhe os pratos com as sobras. Apesar da dor no peito, deixamos que ele jogue fora os alimentos, enquanto tentamos nos compadecer pelas histórias daqueles que moram na rua e passam o dia sem comer...

Prefeitura, ongs e membros de igrejas distribuem roupas e comida. Eles passam o dia em busca de dinheiro para complementar a alimentação falha e na tentativa de conseguir saciar o vício em drogas. Joel descobre que não somos de São Paulo e diz que precisamos conhecer o pátio do colégio, onde o Padre Anchieta fundou São Paulo.

A chuva aumentou e nos abrigamos num dos recuos do Tribunal de Justiça, em frente ao Pátio do Colégio, justamente no local onde Joel e os amigos dormem durante a noite. Contemplamos a estátua de uma índia datada de 1925, que marca a construção da cidade. Depoisn corremos para tocar os sinos, como fazem todos os turistas que visitam o local. Ele badala forte e ecoa sobre o som da chuva que cai forte nos nossos guarda-chuvas e encharca os nossos pés...

Voltamos para a Sé já em tom de despedida. Joel é o nosso guia e nos leva antes ao marco zero da cidade.. Esse homem que ensina que estamos sempre a beira do fracasso, que qualquer um de nós pode ser um deles um dia. Deixa a lição de que também podemos abandonar essa vida. Ele diz tão veementemente que irá dar a volta por cima que não tem como não acreditar. Joel fica com nossos telefones e e-mail. Ficamos com o seu contato em Caraguatatuba e com a promessa de que um dia iremos passear em sua casa na praia.

Quando dissemos que poderíamos achar o endereço dele na cidade litorânea pelo Google, ele parece voltar ao passado. Google soa para ele como algo mágico que remete ao passado recente em que trabalhava na Avenida Paulista, mas que não faz parte do cotidiano que leva hoje. Os olhos brilham e refletem uma vida prestes a ser retomada.

A confiança foi mútua. Ele contou sua vida. Nós desarmamos a guarda, almoçamos juntos e tivemos o prazer de conhecer um ponto turístico e histórico de São Paulo na companhia de uma pessoa que está temporariamente em situação de rua, mas que tem tudo para sair dela.

A aventura estava completa. Carol e eu formávamos uma parceria ali. À noite, fomos para um bar brindar essa amizade. Ao invés, de um espaço requintado com música ao vivo e cerveja Original por R$ 6,50, preferimos andar mais umas quadras e parar num botequim no Bairro da Saúde, frequentado por motoboys e com Brahma a R$ 2,80. O lugar era o que menos importava. Interessava a companhia, a conversa e o prazer de ter encontrado alguém com quem dividir histórias de pessoas comuns. Ótimo programa para um sábado chuvoso em São Paulo que proporcionou aventuras e descobertas. Recomendo!

PS: Esse ainda não é um dos textos de diálogos de estranhos prometidos no post passado. Aguarde, aqui, em breve.

Entre Aspas 1: Experimente o caos. Quando algo sai do seu controle o mundo volta a respirar, a confusão pode ser doce, a perfeição pode matar. - John Ulhoa na música Woo! cantada pelo Pato Fu. Contribuição da Ana Lúcia Pires via Twitter num dia em que estava envolto com uma das minhas confusões mentais.

Entre Apas 2: Quando as coisas ficam estranhas, os estranhos viram profissionais. - Hunter Thompson.

Entre Aspas 3: O brasileiro está a beira do sucesso, mas foge do sucesso porque tem alma de vira-lata. Ele detesta o sucesso e prefere ficar roendo a própria solidão com um pedaço de rapadura (...) - Frase que teria sido dita num telefonema do céu feito por Nelson Rodrigues para Arnaldo Jabor.

Entre Aspas 4: Vou escrever a história informal da multidão sem terno. O que têm a dizer, sobre seu trabalho, seus amores, sua alimentação, farras e desgostos [...] A história oral é uma mistura enorme e um caldeirão de coisas ouvidas, um repositório de verborragias, uma coleção de baboseiras, conversas, falas solenes, insanidades verbais, asneiras e absurdos. - Joe Gould.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Palavras em fúria

Tenho cada vez mais vontade de escrever. De publicar meus textos aqui, de interagir com o mundo. Tenho achado os meus textos cada vez mais objetivos, diretos, secos. Sem vida, ruins e burocráticos. Isso não é para chamar elogios. Não adiantariam. Escrevo para mim, mas o resultado não tem me agradado.

Mesmo assim, há uma fúria em escrever. Boa parte incentivada por Débora e Marina. Amiga recente e amiga antiga que acabam de estrear no mundo dos blogs (leiam em http://imagemeletra.wordpress.com e http://www.serei-breve.blogspot.com) e estão com toda voracidade de escrever. Elas me impulsionam. Assim, como o Hélio, que publica cada vez menos em seu blog, mas guarda em seu arquivo preciosidades adoráveis (www.heliofilhoagain.blogspot.com).

A inspiração vem sempre no mesmo horário: entre 18 horas e 18h30 durante a caminhada de volta para casa depois de um dia de trabalho. Isso não tem preço. Carro nenhum substitui – ainda bem que não pretendo ter um a curto e médio prazo....

Talvez eu devesse escrever sobre pessoas. Essas que a gente vê na rua. Sobre suas conversas. Não grandes diálogos, mas essas conversas entrecortadas que ouvimos enquanto estamos passando por elas na rua. Isso aguça meus sentidos, minha curiosidade. Gay Talese diz que para o jornalista é mais importante curiosidade do que o diploma. Tenho os dois. E ideias também: tenho um projeto de escrever historinhas de ficção (ou não) a partir dessas frases soltas vindas de pessoas estranhas. Não copie a sacada e tenha paciência. Em breve concretizo aqui.

PS: Fiz dois textos sobre São Paulo e não falei do quanto é caro viver aqui? Como assim?! Minha conta já está no vermelho e o mês nem começou. Os dígitos negativos só tendem a aumentar até o fim de julho. Fazer o quê? Vou curtir a doce hipocrisia da classe média e arrotar paulistanesias por aí...

Entre Aspas I: Perguntaram a Picasso sobre a sua inspiração. E ele: ‘Ah, se ela viesse quando estou trabalhando’. Frase sem identificação de autor.

Entre Aspas II
: Um bom texto se faz sozinho. Se a mão está feliz, o texto sai bom. Autor desconhecido por mim

Entre Aspas III: Eu escrevo para me livrar de mim mesma. Catherine Millet

Paulicéia desvairada

Buzina, urina e cinza. São Paulo não é isso, é isso, é mais que isso. Achei o meu último texto injusto, limitado. Agora toda vez que saio na rua fico com vontade de acrescentar o post anterior. Talvez se escrever sobre o que vejo a cada dia, ao final de um ano, a reunião de todos os meus textos ainda não contemplará o que é São Paulo.

Essa metrópole é muito. É 120 quilômetros por hora, é sempre no superlativo. Para ligar tudo isso, só mesmo o metrô. A melhor invenção do homem na modernidade. Não dá para imaginar a cidade sem ele. No começo, era quase uma aventura. Aquela coisa do caipira que acha o máximo se transportar dessa forma. Pin-dôôôn!!! Hoje corro e entro no vagão mesmo após o apito que avisa que as portas vão se fechar. Agora é cada vez mais corriqueiro utilizar o metrô (mesmo não pegando todo dia), mas ainda acho o máximo atravessar a cidade em 20 minutos...

São 455 anos de história, museus com quadros de Picasso, Van Gogh, esculturas, fotos e tantas outras coisas que tem até espaço, para as próprias pessoas se transformarem em museu (www.museudapessoa.net). São shows, peças e baladas que só acontecem aqui. Filmes culturais exibidos gratuitamente a cada fim de semana em um festival diferente. Tem as pessoas produzidas em série – como dizia a Maureen -, que usam as mesmas roupas e cabelo e se comportam da mesma forma, e os malucos que de tão estranhos, tenho certeza, que são cópias únicas.

A sede das grandes empresas, o local dos meganegócios, as referências e os modelos que são replicados no restante do País. A cidade encanta, atrai e te engole. Te consome e te prende a sua loucura. Afaga ao receber e te dar de bandeja todas as oportunidades ao alcance de suas mãos.

Os paulistanos não são fechados como se pinta por aí. Pelo menos, é bem mais aberto que o campo-grandense. Estão sempre dispostos a dar informação. Até por que aqui ninguém domina a cidade toda e uma hora ou outra sai da condição de informar para pedir informação. Ainda estranho quando pedem informação para mim. É mais estranho ainda quando eu sei responder o destino questionado.

Adoro meu anonimato. Vou ao supermercado, ao cinema, ao shopping, ao bar e não conheço ninguém. Não há semi-conhecidos vigiando meus atos e seguindo meus passos. De onde sai tanta gente às 7 horas na Sé? É impressão minha ou São Paulo está sempre a beira do caos? Como são Paulo consegue dar certo? Que misterioso mecanismo não deixa a cidade degringolar de vez?

São Paulo ás vezes acha que é Paris. Na sofisticação forçada, na maneira de se vestir, no jeito de se comportar... Aqui o amor homossexual é livre e esse tipo de casal está em todos os lugares. Tem sempre alguém te vendendo algo, querendo que você consuma determinado produto.

Como é ruim o atendimento no comércio aqui. O porteiro, o garçom, a atendente da padaria, o cobrador, nenhum deles faz questão de serem simpáticos e bem servir. Os emos estão por toda a parte. O mapa do estado de São Paulo fica sempre sob nossos pés, nas calçadas que num jogo de branco e preto formam o contorno geográfico de SP.

O povo da baixada santista e do ABCD leva até duas horas e meia só para estar aqui diariamente usufruindo desse turbilhão de coisas. Na balada, não estranhe se o telão com profusão de imagens reproduzir cenas dos programas policialescos de fim de tarde. A vida possui outro ritmo. As pessoas são ligadas no 220 watts. É até difícil dormir com tanto estímulo. É mais complicado ainda terminar esse texto com tanto a dizer, com certeza de que amanhã caminharei pelas ruas e perceberei tantas outras coisas que não foram ditas aqui. Mas, por ora, it’s all that.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Um prisma cinza, multicolorido e multifacetado

São Paulo é uma cidade cinza. De uma cor que vai além do lugar-comum dessa frase. Que possui diferentes tonalidades e matizes. Saindo do bege dos prédios antigos, ao cinza claro do céu em dias de poucas nuvens, passando pela fumaça negra que exala dos ônibus, até chegar ao verde do Ibirapuera. Tudo isso misturado com sons, muito sons. Do trânsito, com seus carros e buzinas, do músico de rua, da serenata, do MP3, da jukebox do barzinho brega, das marteladas da construção, da britadeira que demole...

Da gente agitada que anda depressa, da velhinha de passos miudinhos, mal sustentada por uma bengala... E quantas pessoas são, um mar de gente. Todos muito diferentes entre si, estilosos, moderninhos, engravatados, uniformizados, com camiseta do Corinthians, patricinhas, madames, maloqueiros, moradores de rua e esquisitos. Como tem gente estranha nessa cidade.

Onde acabam os prédios? Porque faz tanto frio mesmo ao meio dia? O sol ultrapassa a camada de ozônio mas não consegue driblar a poluição e atingir nossas cabeças? Por que chove tanto aqui?

Hum...Vai-e-vem. Tic-tac... E tudo se repete. O mesmo cara engravatado, com seu fone de ouvido, correndo atrás do ônibus. A mulher de rosto triste entrando no metrô. O velhinho com cara de Papai Noel me olhando com cara de sedutor (sai pra lá!). A estudante bonitinha carregada de livros e tatuagens falando no celular. O morador de rua contando uma história super elaborada ou simplesmente estendendo a mão. Tá todo mundo querendo ganhar um troco.

Ih! Não é nada disso que eu queria escrever. Esse texto já esteve prontinho aqui na minha cabeça várias vezes... Mas não o escrevi nos momentos certos e meu estranhamento com São Paulo tem diminuído. Tenho entrado no ritmo. O cinza e o assombro dos prédios no entorno do minhocão, meu vizinho incômodo, nem me encantam, nem assustam, como antes. Já viciei na paisagem.

As ruas de Higienópolis, onde moram Jô Soares, FHC e Adriane Galisteu, já não me soam tão surreais. Ando por elas diariamente. As gírias e a maneira de falar, vou incorporando. Não possuo identidade oral e uma colega diz que já tenho sotaque de paulistano. Meu, sei não. Tá maluco?!

Cara, como tem maluco aqui. De todos os jeitos, para todos os gostos... Quase sou atropelado todos os dias. Também sou um pedestre meio abusadinho. Agora mesmo, pensando nesse texto, atravessei a rua sem olhar para os lados. Tô ficando maluco igual a eles.

Os paulistanos não conhecem chipa, sopa paraguaia, bozó, sobá e não sabem que Campo Grande é a capital de Mato Grosso do Sul. Tadinhos, não sabem o que estão perdendo...

Não dá para negar que tudo acontece aqui. São Paulo gera as demandas, produz e reproduz acontecimentos para o resto do País. Enquanto nas franjas do Brasil ‘as coisas’ demoram anos para ser reconhecidas e sempre são consideradas meio exóticas.
Tudo que acontece aqui é destaque.

Seu cinza está longe de ser monótono. É um tradicionalismo moderno, arqueado, pichado com cores vivas, com desenhos surrealistas. E se estiver se sentindo sufocado, vá no sentido oposto ao Carandiru, seguindo até a Liberdade. O Paraíso é bem ali, sempre fica a apenas algumas estações de metrô de onde está...

Formiguinha. É assim que São Paulo vai fazendo você se sentir. Ínfimo diante da grandiosidade da Catedral da Sé, da Sala São Paulo (Antiga Estação Júlio Prestes), dos arranha-céus, ou perante a própria cidade.

Se a cor que marca é o cinza, o som que se destaca é a buzina e o odor predominante é o de urina. Mas há também o cheiro de fritura, de perfume francês, das frutas da quitanda, do cocô de cachorro, de poluição, de maconha... Aqui todo mundo fuma um. Nisso, ainda sou muito campo-grandense...

Se acordar de noite, ouvirá o movimento dos carros acelerando, freando e rumando para algum lugar. Para onde essas pessoas todas caminham? Quem encontrarão? Sabem onde querem chegar? Para onde vai São Paulo?

Rápidos e distraídos, assim caminha a humanidade desta metrópole. Ando pela rua e de repente ouço alguém falando coreano, inglês, espanhol, francês... Um judeu. Eles são tão interessantes, tão diferentes. Dizem que são fechados e preconceituosos. Tenho vontade de conversar com eles e saber o que pensam, como vivem, essas coisas... Outra personagem que me atrai é a Maria, a louca que espalha seus papéis com frases indignadas pelas ruas de Santa Cecília. Ainda vamos trocar umas palavras que serão reproduzidas aqui...

Lá do outro lado tem o Ibirapuera (e quantas coisas mais?), mais ali o ABCD e caminhando mais um pouco chegamos ao litoral. O resto é interior e gira em torno daqui... (Um dia o paulistano vai deixar de pensar assim e descobrir que o Brasil não é apenas a Capital de SP?)

Quem conta as 17 milhões de pessoas que circulam por aqui? Alguém percebeu que agora a cidade tem mais um? Ei, eu não quero ser mais um! Mas não é fácil conseguir um lugar ao sol com tantos dias nublados. Quanto clichê num texto só!?

Então, se Campo Grande é a Cidade Morena, São Paulo é a cidade preta. Pelo menos, essa é a cor do pó que tiramos das nossas casas. Cor da poluição, que também pode entrar na cota do cinza lá do primeiro parágrafo. E se eu acabar esse texto aqui, vão (vou) me criticar que escrevi tudo isso para confirmar o óbvio: São Paulo é uma cidade cinza, mas tão colorida que até confunde e ofusca a visão!

Entre Aspas: Eu tava só, sozinho. Mais solitário que um paulistano... Zeca Baleiro na música Telegrama.
Entre Aspas 2: Sem São Paulo, o meu dono é a solidão. Finho e Ari Baltazar na música São Paulo.

[Outras possibilidades de título para este texto juvenil:
São Paulo é aqui!
Muito além do cinza de São Paulo
São Paulo, essa desconhecida
São Paulo civiliza-se (ótima frase do livro A Arte de Tecer o Presente de Cremilda Medina)]

terça-feira, 19 de maio de 2009

Um domingo para não esquecer

Aquele domingo, 15 de março de 2009, era a estreia de Maria Fernanda em São Paulo (SP). Recém-chegada de Cuiabá, ela desembarcou na Barra Funda, deixou as malas na Saúde, e já almoçava em um restaurante no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Hélio, que a acolheu em sua casa inicialmente, e eu, éramos as companhias.

Três amigos que haviam se conhecido em Campo Grande, no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2003-2006). Tínhamos muito papo para botar em dia. Depois do almoço, fizemos um giro pela Livraria Cultura, com direito a ver a cantora Pitty e seu namorado (o baterista do Fresno ou NX Zero, não é a mesma coisa?).

Ainda encontraríamos Maureen, outra amiga dos tempos de faculdade, que passava férias por aqui. Passeamos pela Paulista e resolvemos parar no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Não no museu propriamente dito, mas ali no vão do Masp, nos bancos que têm como encosto a vista para o centro paulistano. Ali, encontraríamos Maureen. Foram quase duas horas de espera. Ou mais. Ou menos. Na verdade, o tempo é relativo. E nesse tempo aconteceram muitas coisas, diversas situações, várias risadas...

Um japonês estranho, com cara nerd, veio nos abordar. Acompanhado por uma menina com cara de universitária - sua partner, provavelmente – ele começou a conversar. Fez um preâmbulo monótono e incompreensível. Não sabíamos onde queria chegar. Gargalhávamos de seu jeito atrapalhado e ele se perdia ainda mais nas palavras. Maria Fernanda, a quem se dirigia, pediu para que fosse mais direto. Ele foi: queria dar um DVD com dois filmes, um deles um documentário chamado “Muito além do cidadão Kane”.

Pronto. Tínhamos voltado aos tempos de faculdade em que discutíamos teoria da conspiração, o superpoder da mídia e de como ela domina as pessoas... Tema já um pouco gasto nas nossas conversas... Por isso, Maria Fernanda queria se livrar daquele DVD. O momento oportuno apareceria logo em seguida.

Prestávamos atenção nas pessoas em nossa volta. Hippies, neohippies, alternativos, descolados, moradores de rua, tinha de tudo. Muitos fumavam maconha, alguns cigarro, outros tentavam cantar. Casais de todo tipo circulavam. Um homem charmoso brincava com o cachorro. Ele chamou a atenção das meninas. Todas queriam brincar com seu cachorro para conquistarem o dono. Ele passou muito tempo ali. Até que um cara chegou, brincou com o cachorro, limpou o cocô que havia feito no chão e saiu com o companheiro que havia arrebatado o coração de boa parte da ala feminina ali presente...

Maureen não chegava. Já tínhamos falado de tudo. Estávamos fazendo um exercício de que a cada mulher loira que despontava na Avenida Paulista a gente dizia que era Maureen em alguma versão (hippie, colegial, velha, cafona...etc). Dava até para ser um filme. “Todo mundo pode ser Maureen Mattiello”.

Era um domingo típico em São Paulo, com máxima de 25 graus e sol escasso entre nuvens. As abordagens não haviam parado. Um cara veio nos vender o “Jornal da Causa Operária”. Eu achei que ele estava dando, assim como o outro que deu DVD, e fui logo colocando o jornal na mochila. O camarada não queria socializar o conhecimento comunista assim de graça. Esclareceu que o jornal custava R$ 3.

Eu devolvi e questionei se não tinha uma vaga na redação do “Causa Operária” (estava na fase em que pedia emprego até para as pedras da rua). Ele disse que o jornal era colaborativo e começou com o papo de sociedade igualitária, manipulação da mídia sobre a crise econômica mundial e.... deu a deixa para Maria Fernanda presenteá-lo com o DVD do documentário do “Cidadão Kane”. Eu fiquei meio atônito. Queria assistir ao documentário. Ela brincava que o japonês que tinha dado o DVD, na verdade, queria nos persuadir a participar de uma seita misteriosa, ou ainda, que queria nos vender algo. É possível... Aqui nesta cidade, tudo é possível.

O vão do Masp estava mais sujo do que da última vez que eu estive ali, há uns dez meses. A grama havia crescido entre as lajotas de concreto que formam o piso. Havia muita sujeira também. Barracas de uma feira eram desmontadas e davam lugar às pessoas. Hélio contava a história da arquiteta que projetou o local e que teve de tirar o último pilar que sustentava o prédio na fase da construção. Os pedreiros que trabalhavam na obra não tiveram coragem de fazê-lo, segundo conta a lenda urbana.

Quem conhece, percebe que o Masp é sustentado por colunas laterais que parecem apenas tocar suas bordas. E continua ali de pé. O vão é o efeito formado pela obra inaugurada pela arquiteta Lina Bo, em 1947, segundo consta no primeiro resultado que vi em uma rápida pesquisa no Google.

Uma senhora de cerca de 60 anos irrompe esse cenário. Gordinha, ela veste roupa de malha que marca seu corpo arredondado. Tem cabelos brancos e curtos e se dirige a nós, os primeiros que aparecem em sua direção. Faz um sinal ou fala algo, questionando se tínhamos maconha. Não tínhamos. Com tique de quem fuma há anos, ela se dirige a outros jovens ali perto e sacia sua vontade...

Maureen finalmente surge. Na sua versão blusa rosa, despojada para passeio com amigos, ela nos sufoca em um abraço de urso, daqueles que só bons amigos sabem dar. Acho que era ela. Pelo menos a moça que nos abraçou e passou o resto do tempo conosco podia ser a Maureen se não fosse ela... Maria Fernanda matou saudades da voz dela. Eu de seu abraço. Hélio do seu jeito blebas de ser.

Uma cena onírica, só para citar um termo que um professor usou para descrever uma cena que reproduzi em um texto, mas que eu nunca soube o real significado. Aqueles amigos de outrora, de hoje e de sempre, ali reunidos. Eles já não eram mais os mesmos, o cenário tão pouco, mas era aquela mesma sintonia de antes que os unia agora. Novas situações que os levavam às mesmas gargalhadas intermitentes de quando eram apenas jovens universitários sonhadores.

Hoje, jornalistas em início de carreira, os amigos celebravam aquele encontro tipicamente paulistano. Compunham uma cena única, com personagens singulares, contrastantes, tão heterogêneos como todos os elementos que compõem essa grande metrópole. Era o meu segundo domingo em São Paulo. Foi como se fosse o primeiro, ou melhor, como se fosse um programa de sempre. Um dia para ser sempre lembrado.

Entre Aspas: Há profundezas que só as combinações do imprevisível permitem sondar. Daniel Piza