segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Borboleteando


Entrevista com Manuela Barem (26 de abril de 2007)

“De portas abertas, para quem lá chegar...”. O trecho é da música Castelânia, de Carlos Colman, que Manuela cita, sem intenção de parafrasear a canção, em uma metáfora para explicar que é receptiva para que as pessoas entrem em sua vida. Ela garante que essas “portas abertas” lhe trazem um saldo positivo.

Manu renega o título de pessoa que gosta de todo mundo, mas admite que gosta de um monte de gente e que tenta ver o lado positivo de cada pessoa. “Eu tenho a sorte de conhecer muita gente legal”, afirma tentando afastar o mito de boazinha, mas na verdade ela que é legal demais, uma fofa! Um exemplo disso, é que ela considera um momento de alegria toda vez que encontra um amigo.

A entrevista aconteceu no Esquina 21, bar no cruzamento das ruas 7 de Setembro e 13 de Junho, em Campo Grande, ao som de Galopera e outras músicas bregas que povoam o repertório sertanejo. Comemos frango a passarinho, com alho, pipoca para tirar gosto e tomamos cerveja. “O boteco é meu habitat natural”, brinca, falando sério.

Manu é uma das poucas pessoas que eu consigo chamar pelo apelido. Amigos, ela e eu temos afinidades, que descubro pelas respostas serem muitas: temos uma similaridade muito grande em ideais e sonhos. Na conversa, ela revela ainda um segredo: quer ser cantora. Na profissão, quer fazer um jornalismo que tem compromisso com o sentimento. Na vida pessoal, quer casar, ter filhos e conhecer lugares.

O que mais me impressiona na Manu não é a beleza do sorriso com covinhas, nem os cabelos negros que contrastam com a pele alva, mas sim o caráter. Ela é sempre a mesma mulher calma, decidida, divertida, inteligente, com um jeito de ser leve – como uma borboleta - que torna a vida daqueles que estão a sua volta quase poética. O melhor disso é que ela é assim 365 dias por ano, 24 horas por dia... É uma pessoa em que se pode confiar sem sustos ou surpresas desagradáveis. Ela é um ser humano do bem, pessoa-pessoa, como eu gosto de definir. E ser “do bem” está longe de ser aquele estereótipo que eu costumo propagar dela: o de uma pessoa que gosta de todo mundo e acha que tudo é lindo. Para Manuela, ser do bem (sem clichê ou exageros) é uma maneira de encarar a vida. Confira a entrevista:

Guilherme – Gostaria que você começasse se apresentando. Diga seu nome, sua idade, onde nasceu.
Manuela
– Me chamo Manuela Farina Barem. Não que eu acho que eu deva revelar, meu nome do meio, por que acho que devo preservar isso (risos, com covinhas).

Gui – Tem um motivo de verdade?
Manu
– Os americanos geralmente não revelam o nome do meio, para preservar a identidade... Não lembro agora o porquê. Vi isso em filmes (risos). Lembro de um filme que o FBI tinha que achar um criminoso só que não conseguia por que tinha vários homônimos. Só conseguiram achar o cara, quando descobriram por meio de um processo o nome do meio do cara que ele não revelava. Agora fiquei com esse negócio do nome do meio e também porque adotei o “Barem” jornalisticamente, então é isso.

Gui – Continue falando da sua idade, onde nasceu...
Manu
– Tenho 23 anos, nasci em 30 de março, ou seja, me sinto com 22. Sou nascida em Presidente Epitá... Não, Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Nasci aqui, morei três anos da minha vida em Aquidauana e depois mudei para Epitácio (SP). Daí, minha confusão de não saber de onde sou direito, mas agora descobri que sou de Campo Grande mesmo, eu acho. Eu me sinto sul-mato-grossense por que minha família é do Mato Grosso do Sul, embora eu tenha vivido 18 anos da minha vida em Epitácio. Mas lá eu nunca me senti de lá. Sou daqui né?

Gui – O que você faz?
Manu
– Sou jornalista, ainda uma foca, né? Além de jornalismo gosto de pintar, desenhar, escrever, tocar. Ah! Sou baterista, toco maracatu e toco outros instrumentos de samba, que estou aprendendo, como o tamborim, pandeiro. Descobri que sou apaixonada por instrumentos. Outro dia peguei um berimbau, Guilherme, é uma coisa, maravilhoso.

Gui – Como foi sua infância, do que você brincava?
Manu
– Minha infância foi de uma pessoa quieta. Era uma criança quieta. Meus pais falam até que eles se arrependem um pouco de serem muito preocupados comigo. Aquela coisa de “vai cair”, “vai machucar”. Então, quando eu quis correr eles falavam “pára, vai cair”, quando eu quis subir em árvore, a mesma coisa. Tive uma infância meio introspectiva, tinha um quarto de brinquedos enorme, brincava ali sozinha. Criava os romances ali entre Barbies e Moranguinhos, por exemplo. Desenhava muito desde pequeninha, criava historinhas, tinha amigo imaginário. Não fui levada. Fui uma criança que gostava de conversa de adulto, prestava muita atenção, sabia conversar sobre várias coisas desde pequena. Sempre gostei de música. Acho que sempre fui comunicativa também. Minha mãe fala que eu ficava no portão de casa dando “oi” para todo mundo que passava. (Imitando voz de criança:) “Oi, tudo bem, sou Manuela”. Tive uma infância muito feliz, tenho muitas lembranças boas e consigo lembrar de muita coisa, muito fácil.

Gui – Como foi a fase seguinte, a adolescência? Como foram os primeiros namoros, os primeiros beijos?
Manu
– Não fui uma adolescente fácil, como muitas pessoas são. Tive muuuitas crises, muitas crises típicas de adolescente, de querer sair, pais não deixarem, de quer namorar, pais não deixarem. Comecei a namorar cedo, mesmo escondido, com 13 anos de idade, já ficava e tinha namorado. Meus primeiros namoros foram todos longos, tipo dois anos, três anos. Foi bem legal minha adolescência. Foi uma época em que eu já comecei a formar o que eu seria agora. Não sei se desde a infância, também. Li bastante, adorava biblioteca. Morava a uma quadra de uma biblioteca, então passava as tardes lá, depois de estudar as coisas do colégio. No meu colégio tinha provas toda terça e sexta o ano inteiro. Toda a semana estava estudando sempre, não tinha um dia de prova. Peguei hábito de leitura, até hoje gosto de ler. Eu era mais tranqüila, tinha menos essa avidez de conhecer o mundo. Naquela época, o meu mundo era um pouco mais limitado também. Hoje em dia como eu sei que posso fazer muita coisa, sou mais ansiosa para conhecer muita coisa.

Gui – Como surgiu o jornalismo nessa fase? Quando você decidiu fazer faculdade de jornalismo?
Manu
– Eu sabia desde cedo... (crise de tosse, estávamos comendo pipoca). Eu sabia desde cedo que eu não ia ser médica. Eu queria que fosse uma coisa que viajasse, que trabalhasse com idéia, não tinha interesse com Biológica e Exatas. Não tinha uma intimidade tão grande com os números, nem via a importância que eles têm. Foi meio por exclusão, ou eu seria escritora, pintora, iria fazer uma faculdade de Artes Plásticas, algo que trabalhasse com criatividade e desenvolvimento de idéias. Achei jornalismo maravilhoso pela possibilidade ainda de transformação. Além de aliar o meu perfil de ser, era uma profissão que eu acreditasse no teor ético, no teor ideológico, por isso a escolhi. Quando eu prestei e passei, não tinha certeza que era isso que eu queria realmente.

Manu – Durante a faculdade conhecemos muitas pessoas lindas. Gostaria que você dissesse quais foram as mais marcantes e por quê.
Gui
– Muita gente me ensinou muita coisa. Eu acho que foi uma troca na verdade, posso ter ensinado para algumas pessoas. É tão difícil falar, mas dos nossos amigos, da nossa turma que a gente se identificou mais, acho que a maior lição é ser autêntico. Essa é a maior lição antes de qualquer outra coisa, até do que a importância da amizade, sabe? As mais marcantes foram o Bruno e o Jefferson por que a gente era grudado. A Maria Fernanda pela postura de jornalista que ela sempre teve, nasceu com isso parece. A gente (ela e eu) por ter afinidade de idéias, ser confidente. A gente sempre se abriu muito. A Maria Eliza por que além de ela ter uma bagagem de vida maravilhosa, ter contribuído positivamente para a minha formação, de despertar para outros lados culturais, ela me ensinou tolerância. Eu tive que ensinar para ela, então, nós todos tivemos que aprender. Aprendi muito com as pessoas da nossa sala, a ter tolerância, a turminha que a gente andava, Maria Fernanda, Marina, Maureen, Maria Eliza, porque muitas vezes eu senti a necessidade de me afastar, porque nossa turma tinha julgamentos muito superficiais de um todo. Eu tenho uma posição de que não achava tão certo, isso foi fundamental para minha formação, para o meu senso crítico, nem sempre concordar. Ver que eu podia discordar de pessoas que eu amava. Isso melhorou minha relação com a minha família, porque eu percebi que meus pais podiam não estar sempre certos. O Hélio me marcou muito por que me ajudou a estar em paz com a minha auto-estima e também por colocar por terra diversos preconceitos. Acho que cada pessoa ensina uma coisa muito profunda, muito diferente. A Marina com essa persistência dela, nunca vou esquecer. A Maureen a mesma coisa. Uma persistência que dá para levar para toda a vida, lembrar e falar ‘nossa que maravilha’.

Gui – Como é sua relação comigo? O que você gosta e o que não gosta em mim?
Manu
– Com você? Acho que é mais fácil falar o que não gosto, que é menos coisa. O que não gosto é essa questão, foram algumas poucas vezes, quando você encabeçou uma dessas atitudes preconceituosas da classe.

Gui – Do tipo?
Manu
– De achar que um lado da sala era melhor que o outro. Não que você achasse isso, porque você sempre se deu bem com o restante da sala, mas não sei. Talvez fosse errado, mas a maioria das coisas foi por falta de maturidade. A maturidade que te faz parar e pensar e analisar os dois lados. Acho que suas maiores falhas são quando você compra de cara alguma coisa e toma aquilo como certo. E você mesmo já viu várias vezes que não era bem assim. Mas acho que você já mudou muito com relação a isso. Eu acho você impressionante pela determinação, por acreditar naquilo que você faz, você acredita muito naquilo que você faz. Acho legal o compromisso que você tem com você, com a tua coerência. Você ser coerente com o que você acredita que quer. Solidário demais, ótimo ouvinte, ótimo conselheiro, criativo. Acho você uma pessoa brilhante, idéias brilhantes, esforçado. Várias, várias qualidades...

Gui (rindo) – Eu sou o máximo né? Me senti o máximo agora! Obrigado. Como você se vê daqui a dez anos? O que você quer ter feito? O quer ter realizado? Você terá 33 anos, vai estar casada?
Manu
– Daqui a dez anos, eu pretendo ter realizado bons dos meus planos para daqui a cinco anos. (risos). Eu quero ter trabalhado em um jornal que eu respeito, não que eu não respeite o que eu trabalho, mas um jornal com relevância nacional. Quero ter trabalhado com um jornalismo que eu realmente acredito, quero estar trabalhando com isso.

Gui – Que jornalismo é esse?
Manu
– Um jornalismo que tem um compromisso com o sentimento antes de tudo. Antes desse negócio de compromisso com a verdade. Compromisso com o sentimento, com quem está lendo, não só esse negócio da importância de levar a informação para todas as pessoas, compromisso de como será que isso vai isso vai afetar sentimentalmente. Não sei ainda definir completamente. Um jornalismo que seja coerente, que seja preocupado com questões holísticas, que vão implicar em outras, com o funcionamento do mundo de forma circular. Esse jornalismo pode ser jovem, ter cabeça jovem, sem ser quadrado, uma coisa meio sem limite, mais permissivo. Eu pretendo estar casada, estar com dois filhos, no mínimo um. Pretendo ter viajado já, parte do que eu quero conhecer no mundo. E pretendo estar bem comigo, quero muito chegar nos 33 com essa curiosidade que eu tenho.

Gui – A gente tem ideais muito parecidos, sabia? Quem é a Manuela? Manuela por Manuela.
Manu
- Quem sou eu? Eu mudei essa semana a minha descrição no perfil do Orkut. Eu coloquei lá: “Me jogo e não sei jogar”. Eu acho que eu sou isso, se eu pudesse definir em uma frase. Eu não tenho medo de me jogar, de conhecer um lugar, de experimentar uma coisa, de conhecer pessoas, de amar. E não sei jogar, ou seja, não sei fazer joguinho. Toda vez que eu erro por amar uma pessoa, foi por que eu não fiz jogos. Toda vez que eu me dou mal em um relacionamento, como recentemente aconteceu comigo. Não me dou mal, mas o relacionamento não foi para frente. É porque eu me jogo e não sei jogar, não sei fazer joguinhos de relacionamento. Assim como não sei ser assim em amizade nenhuma, no meu trabalho e com a minha família e na minha vida.

Gui – Você é sempre “do bem”? O que te tira do sério? Você é pessoa leve. O que te tira dessa bossa-nova que parece que conduz a sua vida? (risos)
Manu (risos)
– Que lindo! O que me tira da minha bossa-nova é pensamento medíocre. Isso resume várias coisas, não se preocupar com a outra pessoa, saber que pode fazer e não fazer, por preguiça ou qualquer outra razão, egoísmo. Várias coisas distintas que partem de um pensamento medíocre, isso me tira do sério. Me tira do sério também duvidarem de mim, quando sei que estou dizendo aquilo por experiência ou algo que me dê propriedade para falar sobre o assunto. Incoerência me tira do sério, incoerência me tira muito do sério.

Gui – Aquele estereótipo seu que eu espalho de que você gosta de todo mundo o tempo todo, não é verdade por quê?
Manu
– Isso não é verdade por que... Eu gosto de muitas pessoas, isso é verdade. Talvez por isso você diga que eu goste de todo mundo. Eu consigo e sempre procuro ver um lado interessante, ou então se a pessoa tem alguma coisa muito ruim eu sempre tento explicar aquilo de alguma forma. Mas é lógico que eu não vou ficar passando a mão na cabeça de ninguém sempre. Se a pessoa tem alguns erros terríveis e não quer mudar aquilo, ou seja, é medíocre, eu não tenho paciência nenhuma e não gosto. Mas não que eu vá ser grossa, deixar de cumprimentar e deixar de ter educação, como faço com qualquer outra pessoa, mas não faço questão nenhuma de ter ela perto de mim. Só que eu tenho a sorte de conhecer muita gente legal.

Gui – Você já quebrou muito a cara por confiar muito nas pessoas?
Manu
– Já quebrei muito a cara. Uma vez eu estava tentando convencer o meu primo a ser menos fechado, e consegui convencer, aí eu tentei explicar para ele usando uma metáfora. É assim: se você deixa a porta da sua casa aberta e senta na sala, vai passar um monte de gente na rua, muitas dessas pessoas podem entrar, e fazer um bem enorme para você. Pode entrar também muita gente que não seja legal e que não vai fazer bem para você. Mesmo assim, acho que você ainda sai no lucro deixando a porta aberta, do que deixando ela fechada, e passando um monte de gente legal e ruim e nunca entrando na sua casa. O saldo que eu tiro hoje dessa porta aberta é muito maior. Até porque as pessoas que me fizeram mal, me fizeram muito aprender e me fazem fortalecer também o bem que as outras pessoas me fazem.

Gui – Você também faz poesia. O que a poesia representa para você?
Manu
– Acho que poesia é dizer o que você está sentindo. Poesia sai de mim quando eu não agüento mais ter uma emoção dentro de mim, aí eu pego e escrevo. Mas só sai quando palavras se desencadeiam, se juntam na minha cabeça, daí já sai uma poesia. A poesia se diferencia da prosa por que você conta o que está sentindo de uma forma menos séria e mais lúdica. Como eu acho que ser menos sério, mais despojado, é muito interessante, eu gosto.

Gui – Como você avalia o jornalismo praticado hoje?
Manu
– Acho que o jornalismo que é feito hoje parece que é feito pelo seguinte: por pessoas que se levam muito a sério, mas não levam realmente a sério o trabalho que elas fazem. Isso é a maioria, que é o resultado que podemos ver. É um jornalismo pouco engajado, pouco coerente, pouco esperto e limitado. Isso limita a visão do leitor, consequentemente a visão do que o brasileiro pode fazer por si próprio. Eu acredito no jornalismo opinativo, acredito no jornalismo literário, acredito no jornalismo que é feito com verdade, não a verdade do “compromisso com a verdade”, mas com a verdade da preocupação que você tem com o outro. A verdade de que se eu escrever uma coisa aqui, isso pode realmente mudar, pode ser realmente relevante na vida de alguém. Acho que partindo disso, se as coisas fossem assim seriam um pouco melhores. Tecnicamente temos um jornalismo ótimo, sério, super eficiente, no formato técnico, descobrimos que não precisa fazer as coisas quadradas, estamos desmanchando a coisa do lead, mas o principal não se tocaram ainda.

Gui – Como você avalia o governo Lula, que chegou com slogan de mudança e, neste ano, completa cinco anos no poder?
Manu
– Olha, eu acho que mudança, mudança mesmo, não se faz com tantos acordos. Uma mudança do que a gente tem hoje em dia, só se fosse radical, que transformaria significativamente o que a gente tem. Isso é uma questão complicada, a gente sabe da grandeza territorial que o Brasil tem. Com relação ao Lula, eu nunca esperei que fosse diferente. Eu não acreditei na balela que ele tentou vender, quando estava querendo se eleger. Mas eu acho que é um desperdício para quem acreditou, para quem ele era a última esperança. É um governo que eu não vejo diferença nenhuma da direita, que estava no poder. Se isso é mudança, se o PT é sinônimo de mudança não vai acontecer nenhuma mudança no Brasil. O País vai continuar cada vez mais sendo um grande celeiro para multinacionais extraírem coisas, e dar suporte a elas. Acho que o Brasil realmente é muito grande para se pensar em uma mudança eficaz, que vai atingir do norte ao sul do País. Só se fosse muito forte e muito significativo. O Lula reflete a própria postura do brasileiro, o que o brasileiro de esquerda anda fazendo hoje em dia? Ele anda se organizando? (riso) Ele anda se mobilizando? Ele reflete principalmente a falta de mobilização das pessoas. Se houvesse um pensamento crítico sobre a nossa realidade ele não estava no poder.

Gui – Como está o coração? Lembrando que eu vou postar isso no meu blog...
Manu
– Eu não tenho isso. Todo mundo sabe, não tenho problema em falar do meu coração. Estava apaixonada e não fui correspondida à altura. Eu me apaixono muito e me desapaixono muito. Eu tenho uma capacidade regenerativa tão boa quanto de uma planária (risos). Me apaixono muito, mas quando eu vejo que não vai rolar, que a pessoa não correspondeu, ou então que não é aquilo que eu esperava, eu já sacudo a poeira e vou me fortalecer para me preparar para o próximo amor. (PS: E Manu encontrou um novo amor, está apaixonada e namorando um rapaz chamado Luiz).

Gui – Você já sabe que você não é mais uma solteira convicta?
Manu – Por quê?


Gui – Parece que era isso que você estava vivendo. Depois de um namoro longo, você ficou solteira, para pensar e colocar a cabeça no lugar, e quando a gente está nessa fase de pós-namoro chega a passar pela cabeça da gente que será solteiro convicto...
Manu
– Nunca pensei isso. Sempre penso, quando termino um namoro, penso: “não foi dessa vez. Vou tirar esse tempo para cuidar de mim e esperar o próximo”. Eu tenho super coração de manteiga. Eu levei dois tombos enormes, leia-se: dois caras que eu amei muito e passaram como trator por cima de mim. Embora eles tenham feito isso, eu nunca deixei de acreditar no amor. Para mim amor não é amor a primeira vista, o homem da minha vida. Eu tenho a idéia de amor assim: uma pessoa que vai me entender, vai gostar de mim e que a gente vai ter afinidade o suficiente para se suportar e ter planos juntos. Isso para mim é amor. Eu não acho tão difícil de achar quem tem afinidades comigo. Eu acredito que não seja tão difícil, o que não é fácil é gostar, mas eu não acho impossível não. Até eu achar a pessoa que vou me casar, o processo de conhecer pessoas é interessante. Depois desses tombos que eu levei, eu ando meio assim: “caiu, levanta, arruma o cabelo, se prepara para o próximo...”. Não muito essa coisa da fila anda, por que eu não vejo as pessoas como “não deu certo você, vem você e depois você”. Tem de haver um motivo para eu me apaixonar, agora estou afim hein. Estou bem, depois que levei esses tombos foi muito importante para o meu crescimento como pessoa. Hoje acredito muito no que eu sou. Acredito que posso fazer alguém feliz e, então, estou tranqüila.

Gui – Me fala sobre Corumbá. Você tem uma atração, há uma magia daquela cidade com você?
Manu
– Tenho. Tenho mesmo. Desde quando eu pisei lá pela primeira vez fiquei encantada. Desde o aspecto físico da cidade, uma cidade em Mato Grosso do Sul que tem areia branca, que tem coqueiros, como assim? Coqueiros não, são palmeiras. Aquela visão do Pantanal, uma visão sem fim. Nunca tinha visto aquilo. As pessoas de lá são muito depreendidas, a maioria das pessoas que eu conheço de lá são maravilhosas. Tem um lado cultural muito forte, muito aguçado, tanto da proximidade do Pantanal, como o país vizinho que é a Bolívia, quanto o lado musical, o lado artístico em geral é muito forte. Então, eu me identifiquei, e também eu alimento minhas nostalgias com Corumbá. Minha nostalgia de um tempo que eu não vivi. No Casario do Porto eu me sinto confortável, aquela coisa romântica que a parte antiga tem. Adoro a Rua Delamare, toda vez que eu vou para Corumbá eu tenho que andar nessa rua, várias quadras, para sentir o que a cidade conta. Eu tenho uma relação muito forte com Corumbá. De todos os corumbaenses que conheci, a maioria é maravilhosa. Tenho muitos amigos corumbaenses, a maioria dos meus amigos de Campo Grande são corumbaenses. Eu falo a mesma língua deles e acho que eu entendo muito bem como funciona a cidade. Conheço muito bem a cidade já, só tenho lembranças boas de Corumbá.

Gui – Você tem vontade de morar em outra cidade, um local maior? Onde pretende passar sua velhice? Acha que vai voltar para Epitácio?
Manu
– Acho que eu não volto para Epitácio, se não pelos meus pais. A relação mais forte que eu tenho com Epitácio são os meus pais, que ainda moram lá. Campo Grande, eu não sei. Gosto muito de Campo Grande, mas ainda não tenho parâmetro de que aqui é um lugar maravilhoso de viver. Talvez se eu voltar para cá, depois que eu for, se eu for, se eu fosse escolher morar aqui seria em bairro. Por exemplo, Vila Carvalho, que é meu bairro preferido daqui, o mais legal. Um lugar que eu vou escolher para morar vai ter jeito de cidade tranqüila, independente de que seja em São Paulo (SP), por exemplo. Eu nunca morei em São Paulo, mas pode ser que eu me apaixone e pode ser que eu recuse a cidade. Mas ainda quero conhecer São Paulo, Rio de Janeiro, amo Minas Gerais. Então vai depender muito... Não sei, não tem uma cidade ainda que eu gostaria de morar, até porque eu não me sinto ainda ligada a uma cidade, a um chão. Por isso, essa minha dificuldade de descobrir da onde eu sou realmente, porque, na verdade, eu não me sinto muito de algum lugar. Na verdade, eu me sinto sul-mato-grossense por que a minha cultura é a cultura daqui. Esse moda que está tocando agora, me faz lembrar tal pessoa... Não sei, não sei nem se eu vou escolher morar no Brasil, por exemplo.

Gui – Me conta um segredo.
Manu
– Um segredo? (silêncio prolongado). Um segredo? Isso é um problema enorme porque eu escondo poucas coisas (risos). Deixa eu lembrar. Um segredo... (risos). Eu nunca contei isso para ninguém. Um segredo: eu queria ser cantora!

Gui – É mesmo?
Manu
– É. Nunca contei isso para ninguém, nunca admiti. Eu nunca contei isso para ninguém por que eu sei que não tenho voz suficiente para ser cantora, apesar de eu, às vezes arriscar a cantar. Hoje eu tenho vontade ser cantora. Não tive vontade quando eu era pequena, sabe? É isso.

Gui – Então é um desejo de agora?
Manu
– É um desejo de agora!

Gui – Pensei em uma relação nisso com o jornalismo. O Alessandro Perin e a Milena Crestani (repórteres do jornal O Estado) gostam de cobrir polícia e querem ser policiais, você gosta e é repórter de Cultura e toca instrumentos, tem necessidade de caminhar pelas artes. Você acha que tem uma ligação isso?
Manu
– As pessoas falam que todo jornalista é um escritor frustrado. Eu acho que não. Eu estava pensando isso noutro dia: “será que eu troco tudo pela música?”. Eu estudo muito música durante a semana: faço aula de bateria, faço maracatu. Sinto necessidade de mergulhar mais na música. Eu não trocaria música pelo jornalismo. Eu não tenho isso: faço jornalismo por que eu tenho frustrações que eu não consigo cumprir. Eu faço jornalismo por que eu acredito no jornalismo. Eu faço jornalismo de cultura por que eu acredito que a cultura precisa ser incentivada. E a cultura também precisa desses jornalistas que não levam a cultura tão a sério. Tenho certeza que eu sou jornalista, não por que não consegui ser outra coisa. Não é isso. Até por que a única coisa que eu tentei de verdade ser até hoje foi jornalista.

Gui – A conversa fluiu tanto que eu estou achando que a entrevista foi rápida. Você é leve. Vamos, então, para fase final que é o bate bola.
Manu
– Ah! Que coisa Xuxa! (risos)

Gui (rindo) – Escrever.
Manu
– Acreditar. Acho que se você não acreditar, você não escreve. Não sai. Isso eu tirei por tentativa de escrever poesia sem inspiração e tentativa de escrever texto para o jornal, quando não dominava totalmente o assunto da matéria.

Gui – Um defeito.
Manu
– Sou muito carente. Um defeito só? Ia falar vários já. Sou muito orgulhosa.

Gui – Você é muito orgulhosa? Se você é muito orgulhosa eu sou o quê? Uma qualidade.
Manu
– Ser paciente. Acho que essa deve ser a minha maior qualidade.

Gui – Um exemplo.
Manu
– Um exemplo? (silêncio). Ricardo Kotscho.

Gui – Porquê?
Manu
– Sou fã dele!

Gui – Um momento de alegria.
Manu
– Toda vez que eu encontro um amigo.

Gui (solta uma gargalhada)
Manu (rindo) –
Super ursinhos carinhosos isso né? Mas eu derreto.

Gui – Um momento de tristeza.
Manu
– Quando eu não atendo as projeções e as perspectivas que meus pais fazem... Quando eu não atendo o que os meus pais acham que eu devia ser, mas mesmo assim eu acredito que eu estou certa. Não gosto de ver eles tristes.

Gui – Uma atriz.
Manu
– Uma atriz? (silêncio) Glauce Rocha.

Gui – Um ator.
Manu
– Um ator? (silêncio). Ai, que difícil tem tantos bons... Gente, vou gastar toda essa fita (do gravador) e não vou lembrar de um...

Gui (mudando de pergunta e deixando o ator para depois) – Família
Manu
– Uma base maravilhosa. Por mais que eu tenha mudado alguns parâmetros que foram me dados desde a infância é o que eu sou hoje.

Gui – Amigos
Manu
– Impossível viver sem. São inspirações para as minhas conquistas.

Gui - Jornalismo
Manu
– Uma decisão de vida. Uma postura de viver.

Gui – Brasil
Manu
– Ai, Brasil...? O Brasil é minha casa.

Gui – Um filme
Manu
– Pulp Fiction. Pulp Fiction não, Kill Bil. Tanto o um como o dois.

Gui – Um livro.
Manu
– Enigma da Culpa, do Moacir Sciliazer.

Gui – Você comprou?
Manu (rindo)
– Compreeeei, lembra? (Passeando pelo Shopping comigo, Manu havia namorado o livro na prateleira de uma livraria, mas não o comprou neste dia). Pode ser dois livros?

Gui – Pode.
Manu
– A Idade da Razão, de Sartre.

Gui – Um sonho
Manu
– Poder viajar o mundo, conhecer muita gente, conhecer culturas legais, por meio do jornalismo. É isso que eu quero. Ah, outro sonho, sub-sonho, ter uma banda.

Gui – Na qual você vai ser vocalista, baterista...?
Manu
– Não. Vou ser percussionista ou baterista.

Gui – Um desejo
Manu
– Pode mudar a banda para o desejo?

Gui – Pode. Um ator.
Manu
– Ah, peraí. George Clooney, gente. Eu não queria falar dele, porque só me vem ele na cabeça, mas eu acho ele maravilhoso e lindo demaaaaaais!

Gui (riso) – Um lugar.
Manu
– Parque das Nações (Indígenas, em Campo Grande), ao entardecer.

Gui – Praia ou campo?
Manu
– Campo.

Gui – Você define muitas coisas como lindas, o que é feio?
Manu
– O que é feio? (silêncio) O que é feio? Gente difícil isso. O feio, geralmente quando eu acho alguma coisa feia, é quando ela é poluída, incoerente – uso muito incoerente também, né?. Isso é feio para mim.

Gui – Me dá um exemplo de uma coisa feia
Manu
– Eu não acho favela bonito. É feio favela, porque as pessoas não vivem bem ali. Mas a favela com um sol e pagodinho ajuda.

Gui – Uma frase.
Manu
– Me jogo e não sei jogar.

Gui – Um recado final... Pode mandar um beijo para o seu pai, para sua mãe, para Xuxa...
Manu
- Para Xuxa não, me decepcionou muito já.

Gui – Foi um paradigma que caiu?
Manu
– Caiu. Detesto... Acho que as pessoas, no geral, se elas fossem mais verdadeiras e conversassem mais, quando entrassem em conflito... Cada um entendesse as razões das outras pessoas, seria tão mais leve, tão mais fácil, tão menos nebuloso. É tão difícil você tentar compreender o universo de alguém. O porquê da pessoa estar fazendo aquilo. Acho que se as pessoas assumissem mais o que elas são, seria tudo tão mais fácil.

Gui – Esse é o segredo para ser leve? Tentar compreender o outro?
Manu
– Acho que sim. Você me acha leve?

Gui – Sim.
Manu
– Então deve ser por isso.

domingo, 7 de setembro de 2008

Dia de nada

Trabalhar domingo é uma arte. É uma ciência não exata que só entende quem pratica.
Domingo é um dia manso, leve em que a vida segue preguiçosa e a vida segue devagar.
As bolsas de valor não funcionam, o comércio não abre (ou não deveria abrir) e negócios não são fechados.

É dia de macarrão em família, Faustão e Gugu na TV - onde o reinado será sempre de Silvio Santos...
Dia de ficar em casa, curtindo no sofá tardes longas e mornas, após o almoço com quebra de regime obrigatório...
É dia de ir à igreja (para quem freqüenta uma), usar roupa nova, passear no parque, ir à avenida principal da cidade.
Dia de cinema, de chorinho, de tereré...

Véspera de segunda, é chato, monótono e quase cansativo. É um adorável dia odiável.
Para quem trabalha não é mais um dia. É um dia sagrado, da folga... É o sétimo dia da criação. É o resto do toco, é um pouco sozinho...

É quando o relógio desperta mais tarde e mesmo assim é difícil levantar. É ruim sair de casa e de bater o ponto. Tentar noticiar os fatos, enquanto seus protagonistas descansam...
Percorrer as ruas atrás das notícias, enquanto nas sombras toma-se tereré, nas quadras esportivas jogam bola e nos bares, a cerveja rola solta na discussão da rodada do futebol no fim de semana.

Tem ainda os namorados que se beijam, os pais que levam os filhos ao parque, os crentes que vão a igreja, só para te lembrar o que tenta esquecer: é domingo! Dia de viver, de ser quem é. É o dia mais cruel, em que a solidão dos solitários bate mais forte e que a saudade aperta.

Mesmo para quem trabalha domingo e tem no sábado o único dia de folga, domingo continua sendo domingo. Teu corpo sabe disso, tua mente sabe disso, o mundo sabe disso. Domingo é domingo e ponto.

No trabalho, as coisas seguem sem traumas ou sustos. Tudo leve, tudo flui. É domingo e nada de errado acontece. É o pior dia para ir trabalhar, mas o melhor dia de trabalho. O mais tranqüilo. E só quem enfrenta o domingo sabe. Vou indo por que amanhã é segunda, dia de acordar cedo, a semana começa e ainda vai tardar para o próximo domingo chegar...

Entre Aspas: Amanhã é domingo, menina, ninguém vai te acordar. Deixa chover na esquina, deixa a vida rolar.