quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

O céu é de Hermila


A simpatia e o sorriso da atriz agora se misturam com seu sotaque pernambucano e já não lembram mais a mulher forte do filme que acaba de ser exibido. Hermila Guedes é a protagonista de "O Céu de Suely", que abriu o Festival de Cinema de Campo Grande. A jovem de 25 anos fez questão de participar do evento e viajou 12 horas para chegar à capital sul-mato-grossense.

No filme ela interpreta Hermila, 21 anos, que retorna à sua cidade natal, no interior do Ceará, após ser abandonada pelo namorado. Ela decide, então, rifar seu corpo para sobreviver e iniciar uma nova vida.

A atriz é a nova musa de Karim Aïnouz. Em seu segundo filme, dirigiu "Madame Satã" em 2002, ele agora lança mão de uma edição onde os tempos longos e enquadramentos inusitados também fazem parte da história. "O Céu de Suely" é um filme de silêncios.

A idéia do longa, que traz uma crítica social, surgiu de uma notinha de jornal. A partir daí, Karim Aïnouz misturou sua história a outras que ouviu e o resultado pode ser visto nas telas de alguns cines artes do país.

Assim, como Hermila, a personagem, Karim também viveu com a tia e a avó. Ele levou os atores e toda a equipe para Iguatu, no Ceará. As atrizes tiveram suas roupas confiscadas e começaram a viver e a se vestir como as personagens.

Na hora de gravar as cenas, Karim substituiu o famoso "Ação" por "Continuando". A escolha de utilizar os nomes dos atores nos personagens veio dessa idéia de fazer a ficção mais real. Georgina Castro, que interpreta uma trabalhadora do sexo no longa, também veio a Campo Grande para abertura do festival. A atriz conta que a experiência foi única e gratificante e que muitas vezes se confundiu com a personagem. No elenco do filme estão ainda os atores João Miguel, Marcélia Cartaxo e Flávio Bauraqui.

A protagonista, Hermila Guedes, revela que a entrega foi total e que considera estranho ver os 88 minutos de filme já que gravaram 42 horas. "O Karin teve de escolher qual filme ele queria, é um pedacinho do que a gente fez", diz a atriz, que usa vestido moderno e grampos para prender o cabelo.

Hermila revela que a equipe do longa vivenciou Iguatu, e que a cidade não teve de parar por causa da produção, mesmo tendo muitas moradores atuando como personagens do filme. A atriz conta que gosta de desafios, mas diz que teve dificuldade nas cenas de nudez. "É quase uma pessoa arreganhada", fala, em meio a uma gostosa gargalhada.

Ao assistir ao filme naquela noite, ela garante que passou da fase da autocrítica para conseguir pensar dentro do filme. "Nos debates, também tem comentários que são legais, faz te ver o que você não viu". Naquela noite, uma pessoa da platéia a fez perceber que os homens do filme são passivos e que são as mulheres as protagonistas da história.

Rodado em 2006, "O Céu de Suely" já acumula vários prêmios no Brasil e no exterior. O longa recebeu os prêmios de melhor filme e melhor atriz (Hermila Guedes), no Festival de Havana, em Cuba; troféu Redentor de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Hermila Guedes), no Festival do Rio; e melhor roteiro, mérito artístico e o prêmio FIPRESCI, no Festival de Salônica, na Grécia.


Uma nova estrela

A atriz interpreta sua primeira protagonista em "O Céu de Suely" e diz que ao terminar o trabalho teve a sensação de missão cumprida, mas se mostra surpresa com a reação das pessoas e da crítica. Ela avalia que teve sorte em começar em filmes que estimulam as pessoas a pensarem na realidade do país. "Quero fugir dos filmes comerciais".
Ela é considerada hoje uma das grandes revelações do cinema brasileiro. Uma responsabilidade que a atriz diz receber com muita sensibilidade. "Sei que ser considerada uma promessa é muita responsabilidade, pois é viver o sonho de muita gente", ressalta.

Hermila começou fazendo cinema e não fez teatro. "Acredito que isto me possibilita interpretar com mais realidade. Deixo minha intuição me guiar", confessou. Ela esteve também em "Entre Paredes", de Eric Laurence, e no longa-metragem "Cinemas, Aspirinas e Urubus".

Aclamada pela crítica, Hermila Guedes recentemente interpretou a cantora Elis Regina no especial da TV Globo, surpreendendo pela semelhança e interpretação. Até então ela tinha medo de fazer TV por considerar difícil. No entanto, não teve como recusar o convite para interpretar Elis Regina. "Tinha medo porque achava que ia ser difícil e foi. Em duas semanas tive que fazer uma mulher intensa, trocar meu sotaque pernambucano pelo gauchês dela", argumenta.

Ela diz que valeu pela homenagem, mas que queria ter vivenciado mais para a interpretação. "Me ferrei. É muito difícil mesmo", confessa. Quanto a novelas, Hermila diz que não pode morrer falando que não gosta sem nunca ter feito. "Vou fazer para saber como é, mas quero que as pessoas continuem vendo o personagem e não a atriz, que é o que acontece quando se faz TV", avalia.

Hermila segue agora para o teatro com a peça "Noite Feliz". Nasce uma grande estrela que já brilha no Céu. E nesta noite o céu é todo dela, o céu é de Hermila.

Já, o longa "O Céu de Suely" é um filme sem globais, de baixo orçamento que pode ser resumido pelas palavras da atriz: "Não diz nada e diz tudo ao mesmo tempo".

O festival de Cinema de Campo Grande segue com a exibição de mais de 40 filmes até o dia 11 de fevereiro. O Cinecultura está localizado no Pátio Avenida, que fica na Avenida Afonso Pena, 5.420. Mais informações sobre o festival no site www.cinecultura.com.br ou pelo telefone 3027-5858.
 
Entre Aspas: Se fica agarrado ao que tem agora nunca vai saber o que a vida poderia te dar depois.