sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O Sertão Possível

Terra branca e rachada, plantas secas, rios que só estão presentes em nomes de placas. Esse é o cenário de Independência, município, a 309 quilômetros de Fortaleza, no Ceará. Mesmo para quem mora no estado onde fica o Pantanal, a maior área alagada do mundo, a imagem soa familiar, já que o sertão nordestino é alvo de diversas reportagens que mostram a realidade da região.

Não dá para negar: o lugar que utiliza galhos secos como cercas tem um clima de tristeza. A melancolia, no entanto, é logo espantada por um coral de crianças que entoam uma música e parecem querer mostrar outras possibilidades do semi-árido brasileiro.

- Seja bem vindo a casa é a sua, fique a vontade - cantam os alunos da Escola Família Agrícola Dom Fragoso, em ritmo de ciranda, com sotaque local e orgulho nos olhos.

Mas em um cenário como esse, de que elas se orgulham? Elas logo se apressam em mostrar o motivo. No auge da seca, que já dura mais de sete meses, o que é comum todos os anos na região, os 72 alunos da escola conseguem cultivar frutas, verduras, hortaliças e ainda criar porcos, cabritos e galinhas. O segredo é a perseverança de um povo guerreiro que buscou várias alternativas para conseguir água em um local em que choveu apenas durante uma semana em 2007.

- Fazemos uma base embaixo do solo por meio de um buraco profundo, colocamos lona para proteger e represamos a água encontrada – relata Adão (foto).

O garoto de 17 anos lembra muito Elieldo, de 28. A semelhança não é física, mas pode ser percebida a olhos nus. Os dois moram na mesma região do país, a mais de três mil quilômetros de Campo Grande (MS), mas não se conhecem. Ambos são líderes natos e residem no interior do interior do Brasil e lá pretendem ficar.

Adão Sérvulo é aluno da 7ª série da Escola Família Agrícola Dom Fragoso, localizada na área rural do município de Independência. Já Elieldo Gonçalves é um dos diretores da Associação Comunitária de Pequenos Produtores de Várzea do Toco, comunidade que abriga 57 famílias e fica no outro extremo do município de Independência.

Os dois são personagens de uma história que se constrói no dia-a-dia, em um local em que o sol está presente em todos os lugares, inclusive nas pessoas: no cheiro, no tom e na textura da pele. Eles usam calça jeans e camisa, vestem o rótulo de sertanejo e têm brilho no olhar e alegria na voz. Ambos nasceram com o pé no chão, a mão na enxada, o sol na cabeça e muita determinação.

Elieldo é conhecido em sua comunidade como “chave”, afinal tudo o que os outros moradores - mesmos os mais velhos - vão fazer consultam-no. Elieldo é o responsável por ativar a mandala, tecnologia utilizada para irrigar a água para as hortaliças.

É ele também quem liga a luz e faz as contas da associação. É uma pessoa que vive lá, longe dos olhos dos governantes, da multidão, e constrói uma vida tentando ser justo e honesto, com admiração ao lugar em que mora. – Já trabalhei como garçom em Fortaleza, mas gosto daqui. É onde sou feliz e não quero sair. Vamos aprendendo as técnicas de plantar no semi-árido e repassando para os outros.

Na casa simples de Elieldo, assim como na maior parte das residências de Várzea do Toco, há uma antena parabólica. Ele, que é solteiro e mora com os pais, tem na sala aparelho de som, televisão, DVD, entre outros aparelhos eletroeletrônicos adquiridos a partir de 2004, quando chegou a luz na comunidade.

O porta-CDs abriga clássicos do forró local como “Limão com Mel” e ícones da música sertaneja como “João Mineiro e Marciano”. A família Gonçalves possui também sacos de alho, panelas grandes e fogão de barro na cozinha. No quarto, além da cama e do guarda-roupa há um ventilador e um violão, que o sertanejo arrisca tocar para os amigos nas noites enluaradas de Independência.

Tudo que acontece na comunidade é decidido em conjunto. A partir da união dos moradores da Várzea do Toco, que fundaram a associação há 12 anos, foi possível conseguir mais do que a luz, ou o que qualquer outro programa assistencial de governo pode dar a uma pessoa. Eles conquistaram a dignidade.

Passamos a produzir na horta comunitária o que comemos. Vendemos o excedente e dividimos o dinheiro. Fizemos a convivência com o semi-árido se tornar possível. Valorizamos o lugar onde vivemos e temos orgulho daqui – diz a professora Ana Neri, 27, moradora da Várzea do Toco e secretária da associação de moradores.

Driblando o tempo

Tanto na escola, onde Adão passa 15 dias seguidos, quanto no Assentamento Pintada, onde mora com os pais, e passa os outros 15 dias do seu mês, são utilizadas cisternas para captar a chuva. Por meio de calhas que recolhem a água que cai sobre o telhado das casas elas armazenam até seis litros. No assentamento onde Adão mora, são 31 reservatórios, que fazem parte do programa “Um Milhão de Cisternas Rurais”, da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (Asa), movimento que reúne 750 entidades, sindicatos e associações nos nove estados da região Nordeste, além de áreas de Minas Gerais e do Espírito Santo, que fazem parte do semi-árido brasileiro.

Ao todo, foram construídas pelo programa 220 mil cisternas em 1.031 municípios da região, beneficiando 1 milhão de pessoas. O objetivo do projeto é chegar a 1 milhão de cisternas, atingindo 5 milhões de pessoas. - A intenção é conviver com a região por meio de organização política e de produção, afinal, os açudes são rasos e vão evaporando ao longo do ano. Eles também não permitem a distribuição de água, que é fundamental para a segurança alimentar. Com a cisterna permitimos a democratização desse bem - afirma o articulador da Asa, Lourival Almeida.

Na Escola Família Agrícola Dom Fragoso, a cisterna está vazia e aguarda o “inverno” no sertão, período de chuva, que com sorte vai de janeiro a maio. Enquanto, a cisterna está vazia, a água é captada de um açude, que presencia diariamente um belo espetáculo de pôr-do-sol. Hora em que as crianças descansam das atividades escolares e jogam uma pelada.

Mas aqui, os verdadeiros gols são feitos em áreas experimentais em que cada aluno produz uma cultura agrícola na comunidade onde mora e ajuda a colocar comida na mesa de casa. - Na minha casa não fazia nada, começamos a produzir verduras depois que vim para escola. Agora cada dia minha mãe inventa uma comida diferente – diz, com sorriso tímido, Jaciara Pereira Sousa, 12, aluna do 7º ano da escola.

As lições presentes nos livros didáticos, nas paredes, na lida do campo, na ideologia e no hino da escola, são decoradas pelos alunos e estão na ponta da língua: “A Escola é fruto da luta do povo que quer ver um mundo novo, que ninguém tenha mais fome. Hoje uma conquista nossa do trabalhador da roça que quer ser cidadão”.


(30-12-2007)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Eu moraria em São Paulo

Vista do alto a cidade parece um cemitério: concreto por todo lado, muito cinza e sujeira. Mas São Paulo ferve. É um centro cultural, um conglomerado de pessoas e de coisas que se cruzam e convivem no mesmo espaço - extremamente urbano. No entanto, na cidade também há paz. Ouvi patos coaxarem e vi cisnes no lago do Parque Ibirapuera.

Na Avenida Paulista, você não precisa de um programa específico, pode sentar em um banco qualquer da rua e reparar nos tipos humanos que transitam ali. É a diversidade! Quanta gente diferente dividindo a mesma calçada, caminhando apressadamente em direção a algum lugar. O barulho do trânsito parece não incomodá-los mais, falam ao celular, ouvem MP3, usam óculos escuros...

No Masp, terá a sensação de já conhecer o lugar, afinal é famoso pelas telas da TV. No museu quadros de Picasso, Monet, Renoir, Tolouse Lautrec, Van Gogh, Modigliani, entre outros que você só viu em livros ou pela Televisão. Juntos, proporcionam um sensação incrível de saciedade.

O paulista tem muitas caras, muita diversidade, é muita gente junta... Saí do museu e meu programa foi sentar numa mureta e ver pessoas passando apressadas voltando pra casa... E, eu tenho uma péssima mania de procurar gente conhecida nos lugares, lá não achei ninguém, daí fiquei tentando achar semelhanças: esse parece com não sei quem, esse lembra aquele outro...

Viajei pelos tipos humanos, e de repente, percebi que estava numa roubada, a minha volta apenas jovens com cara de alternativos, todos fumavam, e lá pelas tantas percebi que não era cigarro. Se a polícia chegasse ali, com certeza eu iria preso com eles. Se é que alguém é preso em São Paulo por usar drogas embaixo do Masp...

Entre num sebo da Avenida Paulista e compre muitos livros, uns seis pelo menos. Não gastará mais que R$ 40 e terá muitas obras para se deliciar. Títulos que você só encontra nesses lugares peculiares com vendedores que são verdadeiros tipos – interessantes e engraçados.

Palavras

No Museu da Língua Portuguesa, você aprende que não existe humanidade sem língua. “É ela que organiza crenças e o sistema. Faz ser quem somos. É a nossa identidade, nosso retrato”, afirma o locutor do vídeo, que começa repetindo diversas vezes a seguinte passagem: “penetra surdamente no mundo das palavras”. Ao todo 200 milhões de pessoas falam português nos cinco continentes.

O lugar é o que há de bom no Planeta! Poemas, vídeos, informações interativas, exposição sobre Clarice Lispector... Isso tudo na Luz, uma estação que fica em um prédio antigo lindíssimo, tudo perfeito, tudo São Paulo! Para as pessoas era o caos, a cidade estava sem metrô, para mim tava tudo ótimo.

No Parque Ibirapuera, andei de patins, bicicleta, espaireci, vi cisnes no laguinho... Sim, há paz também. Eu moraria em São Paulo, fiquei apaixonado pela cidade. Fui ao Museu de Arte Moderna e almocei em restaurante para gringos. Comida boa e nem tão cara assim, nada que um cartão de crédito não resolva.

Falso conejo

Na Barra Funda, há um lugar em que tudo converge. É estação de metrô, de trem, de ônibus urbano e intermunicipal. Ali fica, dentre outros comércios a Lotérica Adeus Patrão - o sonho de todo o brasileiro. As pessoas caminham dispersamente, uma sem perceber a outra até que ouve-se uma mulher gritando. O terminou todo parece parar para ouvi-la. No orelhão, ela discute com a pessoa do outro lado da linha. “Eu não acredito que você é casado, que me enganou todo esse tempo... Ah! não é? Então, me passa o endereço da sua casa que eu vou até aí”, branda em alto e bom som.

Uma aglomeração de gente pára para assistir a desgraça alheia, a mulher ousou interromper a “ordem” e o combinado oculto de convivência, que diz para uma pessoa não interferir no caminho da outra. Ela se enfurece, desliga abruptamente o telefone, e passa na minha frente marchando firme.... Segue - sob olhos atentos da multidão que atraiu - rumo a um guichê que vende passagem de ônibus intermunicipal.

De repente, ela desaba, e começa a chorar. Ela espera na fila e o seu mundo parece ter acabado, está desolada. As pessoas olham, admiram, comentam e do mesmo lugar que ela apareceu, se vai... Perdi-a numa pequena distração. Para onde terá ido? Como será que resolveu aquela situação? Mais algumas perguntas que a vida nunca vai nos responder...

Do Terminal da Barra Funda, saio em frente ao Memorial da América Latina, estou instalado a duas quadras dali. O Memorial é um centro do Mercosul. Naquele final de semana abrigou a Festa da Independência da Bolívia, comemorada no dia 6 de agosto.

Na festa, podia-se comer coisas típicas do país vizinho: fritanga, fricasse, chicarron, salchipapas, falso conejo e pique a lo macho, na via das dúvidas fico com a boa e conhecida saltenha. Alguém (além da Vivi) já ouviu falar no dia da independência da Bolívia ou nessas comidas típicas? Pensei em quão pouco conhecemos um país tão próximo.

Ao som de um ritmo chamado cumbia e trajes típicos, os bolivianos radicados em São Paulo faziam brilhar seus olhos pretos puxados, acompanhados de cílios grandes e negros. Os cabelos lisos e pretos estavam trançados, as vestes eram coloridas e compostas por lenços no pescoço. Os bolivianos vivenciavam sua cultura e matavam a saudade da terra natal, falavam a língua pátria e estavam visivelmente felizes.

Pôr-do-sol

No fim de tarde no Parque da Luz. Sente-se num banco. Atrás de você mulheres de mais de 30 e batom, conversam. Elas reclamam que só podem ver os filhos no fim de semana. As crianças de uma delas, fica com a avó. O filho da outra passa a semana toda sozinho em um apartamento. É compensado com um passeio no Shopping junto com a mãe, aos domingos. Uma terceira leva os filhos para passear em um parque.

Elas têm muito em comum: uma vida corrida, e muitos problemas a enfrentar. Um deles é quando seus clientes querem remunerá-las com cerveja. Falam abertamente, parecem não me ver. Eu? Finjo que estou em alfa mental, olho para o nada. Em nenhum momento dizem que são trabalhadoras do sexo, mas agora, depois de trabalhar no IBISS|CO, já consigo perceber isso sozinho...

São mulheres batalhadoras, que vivem o drama de milhões de brasileiras: o de sair para trabalhar e deixar os filhos. Não têm tempo para criação deles. Elas possuem outro padrão de beleza. Não são magras, nem loiras, nem têm mais 20 anos. São feias? Talvez. Sei que são charmosas e atraem os clientes por meio do olhar e assim conseguem grana para sustentar os filhos e alguns familiares.

Ao lado, na Pinacoteca, um prédio de tijolinhos à vista, em frente a Estação da Luz, estão várias exposições. Uma fotográfica: com três olhares de fotógrafos diferentes sobre a Rússia; outra expondo obras e imagens do Palácio Soberano de Versalles, da França; além de esculturas e pinturas modernas do acervo permanente. Cultura de graça e sexo pago ali no centro paulistano.

Da Pinacoteca, quero chegar a Estação Pinacoteca, outro lugar em que acontecem exposições. O guarda me aponta o local, fica a duas quadras dali. O problema é que o ponto é conhecido como cracolândia, e eu carrego sacolas da manhã de compra no comércio do Bom Retiro. Enfrento o desafio, o máximo que vejo são pessoas que moram na rua e usam drogas.

No sábado foi a primeira vez em que me bateu o cansaço, afinal andei muito, bati muita perna nas ruas da grande São Paulo. O metrô está de volta, para alegria do paulistano. No dia anterior, no meio do “caos”, da São Paulo sem metrô, foi a vez em que vi mais humanos juntos. Os jornalistas se aglomeravam para captar o melhor ângulo, eram abutres em cima dos problemas do povo.

Nenhum deles parece notar as pessoas e seus aflitos, se interessam apenas por explorar sua dor... Nos muros, cartazes do movimento da negação da negação que prega que as escolas, faculdades e fábricas falidas sejam invadidas... Viva a revolução e o MNN!!!

O loquinho (como diz minha avó)

No domingo, fui ao mercadão, comi sanduíche de mortadela e pastel de bacalhau, pratos típicos do local, foi meu almoço. Na Paulista, fui ao cine da TV Gazeta, assisti a um filme francês chamado “Medos privados em lugares públicos”. Na segunda, meu último dia na cidade, fui a Rua 25 de marco e na USP. Almocei no restaurante da Escola de Comunicação e Arte e estive na sala da Cremilda Medina - pela primeira vez em SP senti vontade de tirar uma foto: na porta, com o nome dela!

A viagem foi de avião. As pessoas me amedrontaram, afinal fazia um mês da queda do avião da TAM. Não tive receios, mas na hora em que ele subiu senti uma leve tontura, no entanto correu tudo certo: vôo no horário, pouso sem traumas, malas na esteira certa... Só demorei pra sair do aeroporto, tinha fila pra sair! E demorei 30 minutos nela, metade do tempo de vôo Campo Grande - São Paulo. Fiquei de 2 a 6 de agosto na capital de São Paulo, tempo muito bem aproveitado e intensamente vivido. Agora quero mais!

Entre Aspas: Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Clarice Lispector em A Descoberta do mundo. A frase do livro, da minha autora predileta, fazia parte da exposição sobre ela, na Estação da Luz.

PS: Não podia deixar de contar que vi o Luiz Fabiano, aquele ator que fazia propaganda das Casas Bahia (quer pagar quanto?). Ele estava andando na Paulista falando no celular. Gestos largos e jeito delicado... Caminhava a passos lentos e parecia combinar um programa com alguém...

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

O céu é de Hermila


A simpatia e o sorriso da atriz agora se misturam com seu sotaque pernambucano e já não lembram mais a mulher forte do filme que acaba de ser exibido. Hermila Guedes é a protagonista de "O Céu de Suely", que abriu o Festival de Cinema de Campo Grande. A jovem de 25 anos fez questão de participar do evento e viajou 12 horas para chegar à capital sul-mato-grossense.

No filme ela interpreta Hermila, 21 anos, que retorna à sua cidade natal, no interior do Ceará, após ser abandonada pelo namorado. Ela decide, então, rifar seu corpo para sobreviver e iniciar uma nova vida.

A atriz é a nova musa de Karim Aïnouz. Em seu segundo filme, dirigiu "Madame Satã" em 2002, ele agora lança mão de uma edição onde os tempos longos e enquadramentos inusitados também fazem parte da história. "O Céu de Suely" é um filme de silêncios.

A idéia do longa, que traz uma crítica social, surgiu de uma notinha de jornal. A partir daí, Karim Aïnouz misturou sua história a outras que ouviu e o resultado pode ser visto nas telas de alguns cines artes do país.

Assim, como Hermila, a personagem, Karim também viveu com a tia e a avó. Ele levou os atores e toda a equipe para Iguatu, no Ceará. As atrizes tiveram suas roupas confiscadas e começaram a viver e a se vestir como as personagens.

Na hora de gravar as cenas, Karim substituiu o famoso "Ação" por "Continuando". A escolha de utilizar os nomes dos atores nos personagens veio dessa idéia de fazer a ficção mais real. Georgina Castro, que interpreta uma trabalhadora do sexo no longa, também veio a Campo Grande para abertura do festival. A atriz conta que a experiência foi única e gratificante e que muitas vezes se confundiu com a personagem. No elenco do filme estão ainda os atores João Miguel, Marcélia Cartaxo e Flávio Bauraqui.

A protagonista, Hermila Guedes, revela que a entrega foi total e que considera estranho ver os 88 minutos de filme já que gravaram 42 horas. "O Karin teve de escolher qual filme ele queria, é um pedacinho do que a gente fez", diz a atriz, que usa vestido moderno e grampos para prender o cabelo.

Hermila revela que a equipe do longa vivenciou Iguatu, e que a cidade não teve de parar por causa da produção, mesmo tendo muitas moradores atuando como personagens do filme. A atriz conta que gosta de desafios, mas diz que teve dificuldade nas cenas de nudez. "É quase uma pessoa arreganhada", fala, em meio a uma gostosa gargalhada.

Ao assistir ao filme naquela noite, ela garante que passou da fase da autocrítica para conseguir pensar dentro do filme. "Nos debates, também tem comentários que são legais, faz te ver o que você não viu". Naquela noite, uma pessoa da platéia a fez perceber que os homens do filme são passivos e que são as mulheres as protagonistas da história.

Rodado em 2006, "O Céu de Suely" já acumula vários prêmios no Brasil e no exterior. O longa recebeu os prêmios de melhor filme e melhor atriz (Hermila Guedes), no Festival de Havana, em Cuba; troféu Redentor de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Hermila Guedes), no Festival do Rio; e melhor roteiro, mérito artístico e o prêmio FIPRESCI, no Festival de Salônica, na Grécia.


Uma nova estrela

A atriz interpreta sua primeira protagonista em "O Céu de Suely" e diz que ao terminar o trabalho teve a sensação de missão cumprida, mas se mostra surpresa com a reação das pessoas e da crítica. Ela avalia que teve sorte em começar em filmes que estimulam as pessoas a pensarem na realidade do país. "Quero fugir dos filmes comerciais".
Ela é considerada hoje uma das grandes revelações do cinema brasileiro. Uma responsabilidade que a atriz diz receber com muita sensibilidade. "Sei que ser considerada uma promessa é muita responsabilidade, pois é viver o sonho de muita gente", ressalta.

Hermila começou fazendo cinema e não fez teatro. "Acredito que isto me possibilita interpretar com mais realidade. Deixo minha intuição me guiar", confessou. Ela esteve também em "Entre Paredes", de Eric Laurence, e no longa-metragem "Cinemas, Aspirinas e Urubus".

Aclamada pela crítica, Hermila Guedes recentemente interpretou a cantora Elis Regina no especial da TV Globo, surpreendendo pela semelhança e interpretação. Até então ela tinha medo de fazer TV por considerar difícil. No entanto, não teve como recusar o convite para interpretar Elis Regina. "Tinha medo porque achava que ia ser difícil e foi. Em duas semanas tive que fazer uma mulher intensa, trocar meu sotaque pernambucano pelo gauchês dela", argumenta.

Ela diz que valeu pela homenagem, mas que queria ter vivenciado mais para a interpretação. "Me ferrei. É muito difícil mesmo", confessa. Quanto a novelas, Hermila diz que não pode morrer falando que não gosta sem nunca ter feito. "Vou fazer para saber como é, mas quero que as pessoas continuem vendo o personagem e não a atriz, que é o que acontece quando se faz TV", avalia.

Hermila segue agora para o teatro com a peça "Noite Feliz". Nasce uma grande estrela que já brilha no Céu. E nesta noite o céu é todo dela, o céu é de Hermila.

Já, o longa "O Céu de Suely" é um filme sem globais, de baixo orçamento que pode ser resumido pelas palavras da atriz: "Não diz nada e diz tudo ao mesmo tempo".

O festival de Cinema de Campo Grande segue com a exibição de mais de 40 filmes até o dia 11 de fevereiro. O Cinecultura está localizado no Pátio Avenida, que fica na Avenida Afonso Pena, 5.420. Mais informações sobre o festival no site www.cinecultura.com.br ou pelo telefone 3027-5858.
 
Entre Aspas: Se fica agarrado ao que tem agora nunca vai saber o que a vida poderia te dar depois.