segunda-feira, 10 de julho de 2006

(Fora da) Normalidade

Ela era uma menina. Quantos anos teria? Tinha uma espécie de corcunda para frente. Uns cinco anos, talvez? Queria água. Não alcançava o bebedouro. Sua mãe enchia o copo enquanto ela com seus olhos tristes observava outra menina da mesma idade. A mãe da outra menina agarrava-a pela cintura e debruçava-a sobre o bebedouro. Como era gostosa aquela água pensava a menina "especial"* enquanto sentia mais sede e esperava a sua água.

Por alguns segundos ela se transferiu de corpo...Voltando a realidade pegou seu copo de alumínio e bebeu sua água. Os olhos das pessoas que passavam eram todos voltados para ela. Pena, dó, compaixão? Todos olhavam, menos eu. Adoro, nessas situações, ver como as pessoas reagem. Todos a olhavam e, eu olhava a todos.

A outra menina terminara de beber sua água e ia embora sem saber o quão era feliz. O quanto era bom poder brincar, pular e, principalmente ser "normal", não chamar para si olhares piedosos.

O pequeno e frágil ser tomou ainda mais um copo d'água. Agora eu evitava olhar para ela. Seria mais um reparando na menina. Depois que ela se foi percebi que estava de óculos escuros e que podia olhar a vontade.

Era quinta. 16h15 da tarde, Terminal Guaicurus, e eu depois de muito tempo ia para casa sem ter "nada a fazer". Já havia cochilado no ônibus anterior e tomado sorvete naquele mesmo terminal. O sol estava baixando. Estava no meu momento pleno de felicidade...

Aquela menina mexeu comigo. Não por ela. Mas, pelas outras pessoas. Nós é que fazemos o outro diferente, o nosso olhar, o nosso julgamento, a nossa "piedade". A hipocrisia da nossa falsa normalidade.

*odeio essa palavra, ela foi usada ironicamente.

Entre Aspas: Felicidade é um quantum de igualdade e um quantum de diferença. Divagações de Estela Scândola.

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