domingo, 13 de novembro de 2005

Um Duro Golpe

1º de fevereiro de 2004, amanhecia um domingo nublado e cinzento em Campo Grande. Era um dia atípico de verão, ventava e parecia que ia acontecer algo não muito bom. Os irmãos Soares antes jovens, fortes, já tinham todos passados dos sessenta, uns tinha quase oitenta anos, ou seja, estavam em franca decadência. Porém, apesar de alguns terem a saúde fragilizada, pareciam [todos] uma fortaleza insuperável.

Os nove irmãos, que perderam os pais cedo, pareciam que não morreriam nunca. A família não estava acostumada com as perdas. Dois irmãos Soares já haviam partido, mas isso fora há mais de 20 anos. Os filhos brincavam mortiferamente que quando algum se fosse iria um atrás do outro. Falavam isso sem culpa, afinal os Irmãos patriarcas e matriarcas da família eram fortalezas intransponíveis.

Só se esqueciam que ninguém é instransponível para a morte. Zeferino [Levê], 78 anos, agora o mais velho dos irmãos, frágil pela velhice e cansaço de anos da lida no mato, foi internado na Santa Casa da Capital com forte dor de cabeça. Amanheceu tomando soro. No domingo a visita seria ao meio-dia e sua esposa ficou com ele durante todo o tempo. Sua sobrinha Célia, suas irmãs e suas muitas filhas iriam visitá-lo. Os irmãos e filhos que moravam em outras cidades foram avisados.

O caso não parecia grave, já que ele fora internado algumas vezes e em estado bem pior. Mas, o quadro agravou-se. Ele não ouvia e nem via mais ninguém! A cada notícia Célia avisava o menino da esquina que repassava a notícia para sua mãe e para os outros parentes. Até que veio a sentença: ele morreria. Só Deus agora... Bastava esperar... E foram horas... A cada toque do telefone, a angústia e o medo: O que será que havia acontecido? O que será? Depois de três alarmes falsos, o inevitável aconteceu, a fortaleza foi quebrada, estraçalhada.

No meio da tarde, Zeferino, que já estava em coma, se foi. Todos choraram, todos desmoronaram, todos velaram, todos faleceram um pouco com ele. Intransponível parecia o coração do menino da esquina, que nada parece ter sentido, afinal ele já estava velho e doente! Monstro!

Depois de vários e sucessivos golpes a Fortaleza se quebrou. E uma vez rompida, o seu destino é só continuar em ruínas até desmoronar por completo. O velório foi um verdadeiro encontro. Os irmãos Soares reunidos pela dor, várias gerações do clã, as várias divisões, as diversas raças e crenças, a mesma família.

E agora via de longe todos, como se fossem estranhos a mim, para poder analisá-los friamente. Cheguei a uma triste e desesperadora conclusão: alguns irmãos Soares não durariam muito, quão fragilizados estavam. Velhinhos e acabados, era desesperador ver aquelas pessoas tão importantes, tão próximas de partir.

Depois de uma noite sem dormir, rostos abatidos, corpos magros, cabelos com raiz branca...Frágeis como uma taça de vidro, valiosos como um cristal. Agora bastava rezar e aproveitá-los enquanto dá tempo, pois depois do precedente aberto, da primeira coluna desmoronar, era uma questão de tempo...

PS: Ao longo de 2004 e 2005 os golpes foram cada vez mais fortes, mas os irmãos resistem com garra. Os nove Soares citados são irmãos da minha vó (ela está incluída!).

Números

Em 27 de setembro de 2003 criava meu blog, 55 dias depois (21 de novembro) excluía-o, por problemas no servidor, e criava outro com o mesmo endereço. De lá para cá são 737 dias. Até a coluna passada foram 59 publicações (a de hoje é a 60ª), são 42.031 palavras. Foram 204 comentários. O endereço www.guigocomvc.weblogger.com.br foi acessado 4.800 vezes nesse tempo.

Entre Aspas I: A vida é a magia de descobrir o novo no velho; de reinventar sentimentos, lugares e situações; de mudar a maneira que enxergamos o mundo. É aí que descobrimos a felicidade, que fugimos da rotina, e só então, podemos dizer que aprendemos a viver. GSD [10/03/2005].

Entre Aspas II: Se você é capaz de tremer de indignação cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros. Che Guevara.

Abraços.

guilherme - 00:23:16
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