segunda-feira, 13 de junho de 2005

Encontros: a vida me dá uma irmã

Entrevista com Laiana Horing

Quando tive a ideia de fazer entrevistas com meus amigos de faculdade para o meu blog, Laiana foi a primeira a me vir na cabeça. A nossa proximidade, semelhanças e forte ligação justificam essa escolha. As entrevistas seriam uma maneira de conhecer mais dessas pessoas incríveis com que estudei a graduação de jornalismo, falar da nossa amizade, do passado, do presente e do futuro.

Com Laiana, o papo foi no dia 31 de maio de 2005. A publicação ocorreu em 13 de junho de 2005 no meu fotolog da época. Como ele saiu do ar, perdi a chamada da entrevista, que reescrevo agora, maio de 2010, cinco anos depois da mesma.

Esquecida, ela se define como uma pessoa pouco decidida. É, na verdade, uma sonhadora nata. Menina simples, do interior, teve a primeira infância numa fazenda. O contato com os bichos e o meio rural formaram uma mulher que sabe enxergar o sentimento das pessoas. É ótima ouvinte. Grande amiga.

Vindos de lugares onde a vida é mais real, nosso encontro rendeu frutos: amizade, parcerias, um livro-reportagem. Laiana é uma irmã que a vida me trouxe e que para sempre vou carregar no coração. Conheça um pouco mais dela na nossa conversa a seguir:

Guilherme - Eu gostaria que você se apresentasse, nome, idade, onde você nasceu,
Laiana
- Bom, eu sou Laiana Horing Nantes, tenho...19 anos? 19 anos! (risos). Nasci em 24 de setembro de 1985 em Campo Grande. Mas, eu só nasci em Campo Grande, né? Meu tempo aqui foram três dias. Depois morei até os meus seis anos de idade em uma fazenda, aqui perto de Campo Grande,

G - como era o nome da fazenda?
L
- Eu morei na fazenda Imbira primeiro até um ano e meio e na Futurista de uma ano e meio até quase 6 anos, depois fui para o Anhanduí para estudar. Lá eu estudei toda minha vida de Ensino Médio, Ensino Fundamental, tudo na mesma escola. O meu último ano foi na escola estadual, mas tudo no mesmo prédio, uma confusão louca, não vou explicar. E, aos 17 anos em 2003, passei na faculdade, sem saber muito como eu passei porque foi meio na louca. E aí estou aqui agora, vai fazer três anos que moro em Campo Grande e moro sozinha...

G – O que você faz da vida?
L
– Eu estudo, faço faculdade de jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, faz três anos, faço o terceiro ano, e trabalho, faço estágio na (voz impostada) Associação Sul-Mato-Grossense do Ministério Público, não é o Ministério Público é a Associação do Ministério Público. Trabalho de manhã e faço muitas coisas. Faço francês há três anos, toda segunda-feira estou lá firme e forte je parle, ui parle. E pretendo muitas coisas na minha vida, mas por enquanto é só isso.

G – E como foi sua infância? Como você era quando criança? Do que você brincava?
L
– (toda animada) Ah!, Eu era muito à toa, nunca brinquei de boneca! Eu brinquei uma ou duas vezes. Eu gostava de subir em árvore, eu tinha uma casa na árvore imaginária, tipo um galho era o meu quarto, o outro galho era a cozinha, aí eu brincava com a minha irmã, e ela sempre pentelhava porque ela nunca conseguia subir na árvore e morria de ódio. Sempre tive mais amigos do que amigas não sei por quê. Gostava de brincar com... não que eu não gostasse de brincar com meninas, mas os meus amigos mais fiéis sempre foram meninos. Nunca foram muitos, mas era um ou dois. Durante um tempo da infância, morei o início de minha infância numa fazenda, essa foi uma fase não de filha única, mas quase isso, porque eu não tinha contato com ninguém, as minhas irmãs eram muito pequenas. Só tinha uma irmã que era bebê, sempre brincava com bicho, conversava com gato (risos), sabe? Conversava com boi, por que eu morava em uma fazenda e sempre me estrepava muito, caía de bicicleta, já caí duas vezes e machuquei o mesmo lugar, gostava de brincadeiras de natureza, eu nunca gostei de brincar trancada. Gostava de brincar no mato, na rua, no campo de futebol, sempre acreditava que eu jogava vôlei, futebol eu não jogava bosta nenhuma, mais atrapalhava. Tive assim muitos amigos na vida. Muitos começaram na infância e talvez tenha até hoje.

G – E na adolescência como foi? O primeiro namoro... Conta pra gente.
L
- Ai, meu Deus, o primeiro namoro foi muito engraçado, sempre fui muito precoce, eu não sei se foi bom ou foi ruim, eu acho que foi bom, tiveram coisas ruins, mas foi bom. Assim, eu gostei da primeira pessoa aos 9 anos e ele tinha 19, era aquele sonho imaginário, eu olhava pra ele, ele não olhava pra mim (risos). Ai meu deus! Um amor platônico começou e terminou sem nada acontecer. Aí, depois quando eu gostei de uma pessoa eu tinha 11 anos de idade, foi meu primeiro paquera, não foi um namoro, mas foi quase. Eu sempre me liguei mais em amigos assim, sabe? Mas, ao mesmo tempo eu tinha namorados, era uma situação complicada na minha vida, por que os namorados nunca entendiam eu estar com os amigos e amigas, mas entre as minhas amizades eram mais homens e sempre tiveram ciúmes dos meus namorados. Mas, a minha vida sempre foi assim muito louca, eu morava em um lugar pequeno, como eu morava e sempre morei até os 17 anos em um lugar pequeno, eu sempre fui, não sei se briguenta, muito pra frente. Não é pra frente, minha mãe fala que eu sou pra frente, mas é assim eu sempre tive uma coisa meio que de liderança, ali eu desenvolvi as minhas primeiras vontades, foi ali que eu comecei a perceber que talvez eu faria jornalismo, sem muito saber que eu teria o poder de representar uma sociedade, mas eu já imaginava mais ou menos isso. E a minha adolescência foi assim maravilhosa, eu tive poucos namorados, nunca fui uma menina de namorar muito, tive três namorados até hoje em minha vida.

G – Eram namoros duradouros?
L
– Duradouros. Um eu namorei, o que durou menos foi seis meses, o terceiro namoro, que é a história da minha vida, tem seis anos, e acho que desde o início da minha adolescência eu fiquei com essa pessoa, e acho interessante você crescer ao lado de uma pessoa, e ao mesmo tempo distante, porque um namoro de seis anos não é como outros namoros que você está sempre junto da pessoa, tem aquela maluquice de, quando você se vê na situação de que terminou e que dura muito você fica sem chão, você fala meu Deus! Ah! Você acha que você tem condição de levar uma vida normal com seus amigos, mas não tem, parece que falta alguma coisa. Minha adolescência foi toda em Anhanduí, eu não tive contato com coisas que outras crianças têm, por exemplo, internet. Eu não saía muito tipo para balada, coisas que adolescentes de hoje fazem, não tive muito esse contato, eu ia em feiras e festas, mas era uma coisa mais sertaneja, porque eu morava em um lugar bem rural. Campo Grande é um lugar rural, mas está deixando de ser. Pelo menos, na minha adolescência era muito forte essa questão das músicas sertanejas, de bailes, dessas coisas assim, foi o que eu vivi na minha adolescência. Hoje eu sou bem diferente, eu acho. Bastante diferente não, mas um pouco diferente do que eu fui na minha adolescência, e o interessante é que quando eu tinha 12 anos, 13 eu pensava quando eu tiver 18 anos eu vou ser uma super mulher, linda e maravilhosa, toda cheia de idéias e não é assim, o tempo passa e você vê que ainda quer ser mais coisas, na adolescência você acha que é o período de você sonhar, mas eu acho que eu ainda sou adolescente se for isso. Eu ainda sonho, eu ainda não me sinto adulta completamente.

G – E quem que é a Laiana? Laiana por Laiana, sabe aquela coisa de Marília Gabriela...
L
– Ai, meu Deus! Eu sabia que você ia perguntar isso e que eu não ia conseguir responder (risos). Odeio essa pergunta Guilherme... Ai eu odeio essas coisas de perfil, eu nunca preencho meus perfils, eu não sei sabe...

G - Por quê?
L
– Não sei eu tenho pânico, tenho medo de ser prepotente e ao mesmo tempo me, não é me diminuir, não me colocar por inteiro. Tenho medo de que as pessoas vejam aquilo e achem que eu sou só aquilo. Eu tenho certeza que não sou só aquilo, ou achem que ali eu estou querendo ser mais do que eu sou. E às vezes não é isso que eu quero passar

G – Mas como é a Laiana? É uma menina sonhadora ou é uma mulher forte e decidida, ou é um pouco das duas? Como é a Laiana?
L
– Ah, eu sou libriana, não sou nada decidida, nem um pouco decidida. Sou muito sonhadora, sonho muito, a minha vida foi feita de sonhos, para te falar a verdade. Eu me lembro quando eu morava em Anhanduí, quando eu tinha uns 6 anos. Gente isso é ridículo, mas eu vou ter que falar: não é 6 anos eu tinha mais, uns 10 anos. E eu pensava que, esses dias que eu me lembrei, eu não sabia o que eu queria ser, porque desde pequena eu pensava: ‘já pensou um dia eu numa TV’. Eu pensava em TV, já pensou um dia eu apresentando um jornal, sem saber muito, mas era isso que eu queria. Passou o tempo e tal, quando eu fiz meu 3º ano, por morar em Anhanduí, por estudar em uma escola municipal, que já é difícil, ainda mais na distância que é, do centro urbano... Era muito desacreditado um aluno de lá, nunca ninguém tinha passado em uma federal pra Campo Grande. Passava pro interior pra fazer Pedagogia, essas coisas, quando eu falava que eu pretendia... Eu sou assim, sonhadora, mas ao mesmo tempo eu tenho pavor que as pessoas me achem ridícula. Pessoas que me conhecem de verdade. Até os meus amigos, poucos me conhecem de verdade, porque eu não deixo transparecer os meus desejos. Eu sou sonhadora, mas pra dentro. Então eu sonhava: “ah, vou passar na federal”. Só que eu sonhava, mas os meus sonhos se realizam, por isso, que eu sou sonhadora. Você têm sonhos que ficam para trás, mas muitos se realizam. Isso é importante pra quem é sonhador, pra você não perder o pique. É legal quando você tem a sorte das coisas acontecerem na vida. Mas eu sou sonhadora, sou muito indecisa. Eu não sei se consigo passar, mas eu sou muito amiga, quando eu vejo um amigo meu sofrer, eu sofro junto e não consigo falar pra ele “fala pra mim, você quer alguma ajuda? Eu quero te ajudar em tudo”. Eu sou uma pessoa que não consigo às vezes demonstrar o meu sentimento, talvez as pessoas percebam, mas se percebem não falam também, ainda não percebi alguém que tenha percebido os meus desejos e as minhas vontades. Eu sou uma pessoa muito família, eu amo... eu percebi isso depois que eu vim pra cá, que eu sinto muita falta, das minhas irmãs, da minha mãe, do meu pai. Apesar de ter sido criada um pouco longe da minha mãe, que era professora e dava aula em um lugar mais longe que o Anhanduí. Então sou muito família, então me apego muito, sabe brincadeira quando a gente era criança todo mundo fala “quem é que nunca brincou de médico com o primo?”, eu não nunca brinquei. Eu tive sempre meus primos como meus irmãos. E eu amo meus amigos, hoje eu consigo falar eu amo você, antes eu não conseguia. E assim eu sonho muito para minha vida, mas ao mesmo tempo tenho muito medo. Tenho medo de não conseguir ser uma boa profissional. Tenho medo de perder tempo, tenho medo de não chegar nos meus lugares. Acho que todos os sonhadores também tem esse medo. Eu não sei, tenho certeza que eu vou deixar de falar um monte de coisas, mas é isso.

G – Você tem medo de não conseguir chegar a alguns lugares, que lugares seriam esses?
L
– Assim, de não realizar os meus sonhos profissionais, de não realizar, de não chegar... Um dos meus sonhos é conhecer países, conhecer lugares do Brasil. Eu me sinto muito presa no lugar que eu tô aqui. Eu sinto que o mundo está aí e eu quero conhecer o mundo. Por exemplo, eu faço francês e o meu maior sonho é ir para França, poucas pessoas sabem isso. É meu maior sonho. Quero conhecer outros lugares, outras pessoas, sei que minha profissão pode me possibilitar isso, mas ao mesmo tempo, eu sou uma pessoa muito família. Então, eu tenho medo que meus sentimentos limitem os meus sonhos. Não é bem isso: eu tenho medo de tomar a decisão errada. Como eu sou muito indecisa, eu tenho medo de tomar a decisão errada. Demorar, demorar, demorar e tomar a decisão errada...

G – Você tem medo de um dia ter que escolher entre o casamento e ser uma correspondente internacional, por exemplo?
L
– Tenho. Tenho medo. Por que ao mesmo tempo em que eu quero me realizar profissionalmente e conhecer outros lugares, também quero formar uma família, mas eu sinto que eu não tenho vocação. Eu tenho medo que eu vá para outros lugares realizar esse meu sonho, mas que lá pra frente eu veja que esse sonho de ser mãe, de ser esposa, ficou para trás e eu não pesei e lá na frente vai me fazer falta. E ao mesmo tempo o contrário, de talvez pensar eu vou pra lá e só me ferre e não ganhe nada, e ficar frustrada.

G – Você tem um namoro de 6 anos, você pretende se casar, ter filhos?
L
– Pretendo. Pretendo me casar, pretendo ter filhos, com essa pessoa e tal. É o Anderson é uma pessoa muito esquisita. Outro problema na minha vida é esse.

G – O que ele faz?
L
- Ele trabalha com o pai dele, ele estudou até o Ensino Médio e não quis continuar. Ele trabalha com o pai dele, o pai dele têm caminhões e já teve fazenda, e trabalha com isso. E ele é bem diferente de mim porque eu sou uma pessoa do mundo e ele é uma pessoa de casa. Ao mesmo tempo que eu quero voar, ele quer criar raízes. Ao mesmo tempo que eu brigo com todo mundo por causa de muitas coisas, ele é uma pessoa de ótimo coração, tem um senso de justiça muito grande, mas não tem... Não é coragem... Não tem a ousadia que eu tenho. Nós discutimos às vezes por isso. Ele diz que eu até ofendo as pessoas, o que eu acho que realmente é um defeito. Essa vontade que a gente tem de, vontade não, essa coisa que a gente não consegue ficar quieto. Eu falo às vezes me mandar ficar quieta é a mesma coisa que falar para um Angola calar a boca. Esse é o medo, um dos medos que eu tenho, mas ao mesmo tempo, são seis anos de namoro de completas adversidades entendeu? Ele pensa uma coisa e eu penso outra e a gente sobrevive, eu acho que isso é uma coisa... Eu vivo um namoro muito engraçado, talvez uma prova realmente de amor, de que o amor não é você ser igual uma pessoa e sim diferente. Mas ao mesmo tempo essas diferenças te torna parecida com a pessoa. Você não consegue se imaginar, sei lá, com outra pessoa, num sei.

G – Anhanduí nunca mais, ou um dia você volta a morar lá?
L
Eu acho que Anhanduí nunca mais. Eu acho, talvez assim na minha... Não digo velhice. Mas assim depois que eu tiver, se eu conseguir a ter uma vida estável, boa, talvez eu vá terminar lá no Anhanduí, mas assim voltar a morar... Eu não consigo mais, eu sinto que o Anhanduí venceu todas as expectativas, todas as possibilidades que eu tinha ali. Eu não tenho mais meus amigos lá, eu tenho meu pai, minha mãe, meu namorado, minhas irmãs e uns dois ou três amigos, poucas pessoas eu tenho lá. Então eu acho que Anhanduí nunca mais.

G – E faz falta? Como é morar sozinha? Fale dos pontos positivos e dos pontos negativos.
L
– Bem, morar sozinha é maravilhoso e odioso ao mesmo tempo. Os pontos positivos é que você faz o que você quer. Você não precisa brigar com a sua irmã porque ela está vestindo a sua roupa ou porque ela largou toalha molhada em cima da tua cama, ou por que ela fez qualquer tipo de coisa. O seu pai não fica te regulando a hora que você tem que chegar. Se você quiser fazer uma coisa, você faz. Você recebe quem você quiser na sua casa. Mas, ao mesmo tempo, a sua roupa nunca está na gaveta, está sempre no varal ou fora, ou sem passar. Você só passa roupa para vestir, você não come muito bem. Você não tem o carinho, porque, ao mesmo tempo em que você não tem os problemas de irmãs, você tem o carinho a proteção do pai e da mãe, quando você fica doente é horrível. Não quando você fica doente, quando você espirra você se sente a pessoa mais frágil do mundo. (Imitando voz de criança:) “Porque ai Meu Deus a minha mãe não está aqui está a não sei quantos quilômetros, eu não sei pra onde eu vou”. E esses tempos eu passei por umas situações assim, que estava sangrando meu nariz, e eu falei meu Deus já pensou se eu desmaio aqui. E eu começo a entrar em paranóia, porque se eu desmaio, eu morro aqui, porque ninguém me acha, essas coisas. E eu também moro assim fora de casa, porque eu moro com outra pessoa completamente diferente, foi criada em outra casa, tem outros costumes completamente diferentes dos meus, que se te desagrada você não vai brigar com ela, porque ela não é sua irmã. E se você brigar você não vai voltar a falar daqui dez minutos, como você fala com a sua irmã ou com seu pai, então você tem que ponderar muito as palavras. Para uma pessoa que, como eu, falo sem pensar é muito difícil. Você ter que ponderar as palavras. E às vezes até me calar para não gerar uma discussão maior, eu acho que quando você mora com outras pessoas esse é o pior problema.

G – E nesse período você amadureceu bastante?
L
– Muito. Nossa! Aprendi a me controlar! Depois que eu morei com outras pessoas e quando eu morei sozinha eu aprendi a ter mais responsabilidade com coisas que eu não tinha. Eu passei a perceber que os problemas que eu achava que eram os maiores da minha vida eram nossa, pífios! É ridículo perto de uma situação assim. Não que eu tenha vivido situações difíceis. Mas quando você mora sozinha você vê o mundo de outra forma, você está sozinho para fazer outras coisas. Aí você enxerga as outras pessoas. Porque quando você mora em casa, acha que aquela briga que você teve com a sua mãe, nossa, é a pior do mundo, e você é a pessoa mais infeliz do mundo. Quando você mora sozinha, parece que você abre os olhos para as outras pessoas, que têm outros problemas. Eu morei num lugar em que moravam 12 pessoas, tinham 12 apartamentos, 12 kitnets. Cada pessoa é de um jeito diferente. E eu olhava, às vezes, para a minha casa e eu tinha cama, eu tinha geladeira, eu tinha televisão. E tinha uma menina, amiga minha, que morava do meu lado que só tinha um colchão e uma geladeira e nada mais. Você começa a aprender com a convivência. Porque você mora sozinha, mas conhece milhares de outras pessoas, em situações de família ou de ausência de família

G – Como é Anhanduí? O que tem lá de bom? Conta como é a cidade... A praça... A igreja... O que tem na cidade.
L
– Engraçado, a gente fala que o Anhanduí nunca vai ser cidade, porque tem um ditado que fala que pra uma cidade ser cidade tem que ter uma igreja, uma praça e a zona. O Anhanduí só tem a igreja, então só tem um terço (risos)

G – (em tom de espanto) Anhanduí não tem praça?
L
– Não tem praça. Anhanduí tem campo de futebol. Anhanduí, quando eu era adolescente, o point era a escola, porque a gente fazia da escola a nossa praça. Lá que a gente se encontrava, lá às vezes tinham músicas, paquera, na época da paquera. E lá a gente jogava bola, e lá a gente encontrava os amigos. Então, o campo de futebol e, lá onde você vai rir, sofrer. Eu sou uma pessoa torcedora assídua do futebol. Adoro futebol e as pessoas riem: “Ah! Uma mulher que gosta de futebol”, talvez eu acho que deva isso a Anhanduí

G – E Anhanduí tem algum time de futebol?
L
– Anhanduí tem time de futebol. Tem vários times de futebol!

G – Quais são os principais?
L
– Mas, claro que o time do meu coração eu vou falar que é o melhor, óbvio. Então, tem o time da Conveniência Anhanduí que já foi denominado como Juventude e caiu e não pode usar o nome, mas é o mesmo time. Tem o time do Posto Eucalipto Locatelli que é o maior rival da Conveniência Anhanduí, que inclusive ganhou o campeonato este ano e eu quase morri do coração.

G – E qual que é o seu?
L
– O meu é o da conveniência Anhanduí. E aí tem (em tom de deboche) o time da Fazenda Esperança que são os pernas de pau (risos)

G – (morrendo de rir) Então tem um campeonato de futebol em Anhanduí, com os times de Anhanduí!?
L
– Tem um campeonato com os times de Anhanduí e adjacências (risos). Por exemplo, os times do centro urbano de Anhanduí são: a Conveniência Anhanduí, o Ájax e o Locatelli, Auto Posto Eucalipto Locatelli. Aí tem, o da Fazenda Esperança, da Fazenda Guanabara, tem o time de Nova Alvorada, tem o time do outro Posto Locatelli que é aqui perto de Campo Grande. É um campeonato até grande, têm uns dez times, 15 times. E tem o campeonato dos veteranos, para você ver como o futebol é um esporte bem cultivado no Anhanduí. As pessoas ficam velhas e continuam jogando futebol porque não tem muita coisa pra fazer. Mas tem a igreja... Têm muitas igrejas, mas tem a igreja católica, que concentra um número maior de pessoas e assim a diversão em Anhanduí se dá nesses lugares, em instituições: na escola, a igreja, são os lugares onde você faz seu grupo de jovem, na igreja você se encontra com as pessoas. Ali, você se diverte, bagunça, você faz tudo. E tem, já teve uma rádio no Anhanduí inclusive. Era a rádio, o maior point em Anhanduí, era tudo em Anhanduí. Só que Anhanduí é o lugar que a gente fala que “lá tinha”: lá tinha rádio, lá tinha banco (risos). Lá tinha o quê mais?...

G – Não tem banco?
L
– Não tem mais banco, o HSBC, quando era o Bamerindos...

G - Têm Correios?
L
– Têm Correios e o Banco Postal do Brasil.

G – Como que funciona o Distrito? Tem, sei lá, uma mini-prefeitura ou alguma coisa desse tipo?
L
– Então, todo mundo que passa por Anhanduí acha que aquilo ali é uma cidade, que tem pelo menos um prefeito, ou um subprefeito, mas não. Anhanduí é um bairro de Campo Grande. É um bairro afastado. A representação que a gente tem é o presidente da Associação dos Moradores. Anhanduí não tem, por exemplo, uma pessoa que tenha contato direto com a prefeitura, com a Câmara de Vereadores. Essa é a nossa maior luta no Anhanduí. E as coisas funcionam assim, o posto de saúde, é o posto de saúde daqui de Campo Grande. Então, por exemplo, todos os funcionários que trabalham no posto, na escola, têm que receber em Campo Grande. Anhanduí é muito dependente do centro da Capital.

G – Fica a quantos quilômetros?
L
– A 55 quilômetros. Anhanduí fica na saída de São Paulo, à 55 quilômetros da Capital. Mas ao mesmo tempo tem coisas peculiares específicas de Anhanduí, como por exemplo, as barracas. Não sei da onde que aquilo veio, sabe? Foi uma coisa que começou e aglomerou... A primeira barraca, eu me lembro muito bem, que ficava na frente da minha casa. Meu pai tinha uma lanchonete e também foi o point, esqueci de mencionar.

G – E como que era o nome?
L
– (rindo) Era a Lanchonete do Titio, o meu pai é o titio até hoje no Anhanduí. A primeira barraca foi de coco, água de coco, hoje não se vende mais água de coco.

G – Você se lembra mais ou menos em que ano foi isso?...90?
L
– Não foi mais pra cá, tipo a gente entrou em 94 na lanchonete, foi tipo 96, assim. E foi a primeira barraca e tinha uma outra que vendia queijo. Essa vendia coco e mel e a outra vendia queijo, então foi uma coisa, foi chegando aquele... Hoje se você passa por Anhanduí, a primeira coisa é “ah, aquele lugar que tem barraquinha!”. E é uma coisa muito do lugar. É uma parada de caminhoneiros, a gente conhece muitos caminhoneiros. A gente conhece muito a vida deles. É um lugar onde passam pessoas, é um lugar muito parado, e ao mesmo tempo, um lugar movimentado ao extremo, porque é uma BR que passa por dentro. Então, eu já conheci um ciclista que passou lá uma vez e falou que tinha ido para muitos lugares, e um dia eu vi o cara no Jô [Soares]. É uma coisa muito engraçada, e caminhoneiros que passam por lá, às vezes pessoas, tipo celebridades, os artistas. Os motoqueiros param muito lá, tipo essas coisas de Moto Road, essas coisas que tem, não só em Campo Grande, mas no interior do Estado e vai pra Mato Grosso, pra esses lugares. E às vezes passam muito por lá. Então Anhanduí é dependente e, ao mesmo tempo, tem a sua característica que é o comércio. As pessoas são muito comerciantes em Anhanduí. Todo mundo vende alguma coisa.

G – E o que tem nessas barracas hoje?
L
– Hoje as barracas têm basicamente pimenta, que também é produzido no Anhanduí. E, Anhanduí tem um centro e tem também um assentamento, que fica próximo ao Anhanduí, fica no município de Sidrolândia, mas fica muito próximo do Anhanduí. Então, além dos moradores de lá tem os assentados que ficam perto. Eles tiram pimentas e as barracas vendem. Então, eles compram dos assentados pimenta, e licores, licor de pequi, licor de não sei o quê, essas frutas nativas do cerrado. E tem mel que é... Tudo da região, das fazendas, ou até mesmo do Anhanduí. Lá, inclusive, vai abrir um lacticínio. É uma coisa que vai abrir em Anhanduí, exatamente por causa das barracas, porque eles vendem um queijo mussarela que era feito artesanalmente nas casas das pessoas. Então têm os queijos provolones, tem o mel, tem o pequi, tem o queijo natural, in natura, o queijo caipira, tem artesanato agora, andaram... Engraçado, como não cola, eles andaram querendo vender artesanato que é uma coisa da região de Dourados, daquelas vilas que ficam em volta de Dourados, e não pegou, sabe?

G – Anhanduí vai virar cidade? É uma vocação do distrito virar cidade um dia? O que você acha?
L
– É um sonho, que eu como moradora de lá, tipo cria anhanduiense. Mas, eu acho muito difícil por vários fatores, que o Anhanduí vire cidade. Tipo daqui uns 10 anos, 15 anos, talvez. Primeiro porque o Anhanduí... O município de Campo Grande hoje, ele vai até o Rio Pardo, até perto de Ribas do Rio Pardo, pelo Anhanduí. Então se o Anhanduí virasse município toda a arrecadação que o município de Campo Grande tem com todas as fazendas daquela região seriam perdidas e a área também. É muito difícil que Anhanduí vire cidade por isso, por causa dos fazendeiros que tem em volta. É muito difícil que o município de Campo Grande vá um dia apoiar a emancipação do Anhanduí. E o principal problema que eu vejo no Anhanduí é a falta de união dos moradores nesse sentido. Agora que o Anhanduí está aprendendo a se unir por um desejo, porque assim, Anhanduí têm uns dois ou três mil votantes e na última eleição mais de 30 vereadores foram votados. Anhanduí não tem uma representatividade política estabelecida. Infelizmente muitas pessoas tem um nível de escolaridade baixo e a consciência de cidadania está pouco consolidada no Anhanduí. Mas, eu vejo com esperança, eu volto por pouco tempo, eu fico pouco tempo lá, e eu vejo que as pessoas querem se unir. O que falta no Anhanduí é uma pessoa que queira representar o local. Porque as pessoas que se...

G – Representam a si mesmas né...
L
– Representam a si mesmas, exatamente isso! Faltam pessoas que queiram representar as pessoas e não a si mesmas. Existem umas pessoas, dois ou três do Anhanduí que se manifestaram, como lideranças políticas, mas eles nunca estiveram preocupados com as necessidades do local, entendeu? E é um pouco por isso que falta a união, porque quando você se une em torno de uma pessoa, a pessoa não corresponde aos objetivos do lugar. Mas, acho que essa consciência está se formando. Existem pessoas novas, da minha idade, cinco ou seis anos mais velhas, que hoje já são adultos. Pessoas estabelecidas e tal, esclarecidas que querem lutar pelo lugar, mas eu acho que vira sim, mas vai demorar bastante.

G – Como surgiu a idéia do Jornalismo, você pensou em fazer outras coisas?
L
– Gente, eu sempre digo que por dinheiro eu pensei em fazer Agronomia (risos)

G - Que mais você pensou em fazer?
L
– Mas, foi muito rápido, eu pensei por um segundo e nunca mais pensei. Eu pensei em fazer história, porque eu adorava História. Eu pensei muito em fazer História, mas o que me fez mesmo fazer jornalismo é essa coisa de ser... De ser assim, de querer resolver os problemas. Não todos, mas pelo menos um ou outro, de não aceitar que as coisas fiquem escondidas. Foi isso! Eu nunca aceitei que as coisas ficassem escondidas e eu nunca aceitei que as coisas fossem feitas e não fossem a favor de uma maioria de pessoas, entendeu? E eu acho que foi isso assim. Principalmente pelo lugar de onde eu venho, porque o Anhanduí, já foi muito massacrado, as pessoas já usaram muito nós, os moradores de lá. Então quando criança eu fui aprendendo isso. Eu fui começando a detestar política sem saber por quê. Depois quando a gente fica mais velho, é que a gente percebe, porque todo político que ia lá só enganava. Eu nunca pensei em fazer política por que eu acho que não dou conta. Mas, uma forma que eu pensei que eu poderia ajudar o meu lugar. Pensei, não foi no coletivo, hoje eu penso no coletivo, depois que você entra na universidade. Mas, eu pensei em ajudar o meu lugar, um lugar pequeno, e eu pensei no jornalismo, foi isso.

G – E o que você acha do nosso curso?
L
– Ai, olha, às vezes, eu tenho vontade de sair correndo desesperada: “ai meu Deus, eu estou perdendo meu tempo aqui. Esse lugar é devagar, mas existem momentos como a aula de ontem, a nossa reunião de ontem [discussão da pauta do nosso programa de rádio, que falou do poder da imprensa], que eu vejo o quanto eu melhorei, depois que comecei a fazer o curso e o quando nós melhoramos, sabe? Tipo que nem a Maria Fernanda diz eu entrei querendo fazer televisão, aí eu entrei para aparecer, hoje a gente tem outra visão. Eu acho que jamais faria, se fosse para fazer jornalismo, eu jamais faria em outra universidade aqui em Campo Grande. Eu faria na federal. Apesar de todas as dificuldades, apesar de todos os defeitos, eu me identifico com aquele lugar. Só que assim, dificuldades existem, e muitas. A questão da estrutura, todo mundo fala você aprende com o tempo, mas não é. O fato de você não ter um computador que você possa usar, que você possa explorar todos os campos, talvez eu até me interessasse pelo On-line se eu tivesse uma disciplina de On-line, por exemplo, que não tem. Eu acho que a principal fraqueza do jornalismo na Federal é a falta de grade curricular. Não é a falta, é a falta de seguir uma grade curricular, e de incluir outras coisas. Eu acho que a grade está muito defasada. E a falta da estrutura não precisa citar: é uma coisa óbvia, qualquer pessoa que chega lá percebe. Mas, essa falta de estrutura, ao mesmo tempo, eu sinto como ponto positivo, porque nós não temos nada na mão e para nossa profissão isso é fundamental. Você correr atrás das coisas, você pelo menos saber que tudo não vai vir na tua mão, para quando você for para o mercado você não tomar aquele baque assustador. Um dos defeitos que eu percebi no nosso curso, não foi só de estrutura, é de falta de interesse dos alunos, que a gente tinha no 1º ano. Agora no 3º ano ninguém mais é desinteressado. E quando a gente não é desinteressado, quando a gente tem interesse por alguma coisa, as coisas acontecem. Eu, apesar de todos os defeitos, acho que o curso de Jornalismo da Federal é o melhor curso de Mato Grosso do Sul, ainda. Não sei se isso vai durar, porque os professores que eu conheci estão saindo. Tipo o que sempre foi a vantagem do curso de jornalismo na Federal, que é a formação de seus professores, isso está abaixando. Infelizmente, eu sinto isso. E o nível dos acadêmicos também está abaixando, eu percebo isso. Mas, pra mim está sendo prazeroso fazer jornalismo na federal.

G – Como que é sua relação comigo? Como que eu sou? Críticas e elogios.
L
– Ah! O Guilherme é o meu irmão aqui em Campo Grande. Esses dias eu falei para minha mãe que se tem duas pessoas que eu posso considerar que são minhas amigas, que assim eu não tenho medo de falar coisas: é para Gil, uma pessoa que eu conheci na Kitnet que eu morei, e o Guilherme. Assim, nós somos muito parecidos. Nós viemos de lugares bem hu... não é humildes, mas mais reais assim. A realidade que a gente vê nos jornais, que a gente ouve as pessoas contarem, sempre esteve presente nas nossas vidas. E eu acho que, por isso, a gente tem uma afinidade maior. E o defeito do Guilherme é ser birrento, acho que por ser filho único ele não consegue aceitar um... não é um “Não”. Ele consegue aceitar um “Não”, mas ele não consegue aceitar que lhe contrariem. Eu acho que é um defeito meu também e eu acho que é aí que a gente se identifica.

G – (rindo) Imagina a gente batendo de frente!?
L
– Deus me livre, graças a Deus, nós nunca batemos de frente. Mas acho que esse é o principal defeito do Guilherme. Mas, as qualidades são maravilhosas: é uma pessoa que tem um coração assim, que poucas pessoas que eu conheço, tem esse coração, e que pra nossa profissão... E também como pessoa ele tem uma qualidade, uma vantagem, que é a facilidade de se relacionar. Eu sei, eu percebo. Ele tem poucos amigos assim reais, amigos, amigos. Mas o Guilherme, conversa com qualquer pessoa que ele conheça, entendeu? Não é que ele converse, ele tem um relacionamento bom com muitas pessoas, que assim nós não temos na nossa universidade e pra vida... Hoje a universidade é a nossa vida, amanhã vai ser o jornal que a gente vai trabalhar, vai ser a TV que a gente vai trabalhar, o rádio, sei lá. E isso é importante você ter nos lugares que são a sua vida. Então, eu acho que do mesmo jeito que hoje ele se relaciona bem com todo mundo, com todos os anos da universidade e com dos outros cursos, e com outros movimentos, eu acho que isso ele vai levar pro resto da vida e vai ser uma forma dele se dar bem na vida, assim como pessoa e como profissional.

G – Na faculdade você é amiga de todo mundo, mas com quem você tem mais afinidade, porquê?
L
– Ai, o Caldeirão da Maria Fernanda né? (risos). Mas, assim as pessoas que eu tenho mais afinidade são o Guilherme, essa pessoa que está me entrevistando. Eu, depois que morei com a Marina, descobri que eu tenho um carinho de irmã por ela, porque a gente tinha os nossos problemas e brigávamos, e tal, mas, eu tenho um amor tão grande por ela. A gente conseguia ser irmã, por exemplo, brigar e se falar dez minutos depois. Então, eu acho que com a Marina, eu tenho uma afinidade muito grande! A Maria Fernanda é pra mim, assim, uma referência. É uma referência em, como eu posso dizer, ela é uma pessoa que eu sei que vai falar que eu estou errada. É uma pessoa que eu sei que se eu fizer merda, ela vai me falar e, ao mesmo tempo, ela é uma pessoa que gosta de mim. Então, a Maria Fernanda é uma das minhas grandes parceiras na faculdade. E o Hélio, eu não sei pela alegria do Hélio. Eu sou uma pessoa muito alegre e o Hélio é uma pessoa muito alegre, então, a alegria do Hélio também me faz ser assim uma super amiga dele.

G – Esse seu carinho pela Marina, a gente percebe pela sua relação, pelo seu olhar. Quando você está conversando com ela, parece que você tem uma relação de admiração, e com a Maria Fernanda também. E que é uma coisa que eu também tenho por ambas. É uma coisa que a gente percebe na relação, no olhar, no jeito que você fala com as duas.
L
– É. Com a Marina, eu não sei é uma coisa bem... Muito querida, que eu admiro a força de vontade da Marina, sabe? Ela tem uma força de vontade que eu não conheço em nenhuma outra pessoa. Ela tem uma responsabilidade que eu não conheço em nenhuma outra pessoa, entendeu? Então, eu admiro como ela consegue ter tudo isso, sabe? Com 20 anos, e não surtar, e ao mesmo tempo, ela é uma pessoa muito frágil. Eu tenho vontade de pegar no colo e falar “Meu Deus do céu, vem cá!”. Morando com ela, também eu reconheci mais esse lado frágil dela. Conheci os defeitos e tal, mas essa fragilidade, eu conheci. Então é uma pessoa que eu tenho admiração! Foi o que você disse. E a Maria Fernanda também, exatamente pelo contrário, o que me falta, eu vejo na Maria Fernanda, que é a força. Eu vejo a Maria Fernanda como uma pessoa com uma força, que ela fala “Ai, vocês me vêem como forte, eu não sou forte”. É forte sim! Não vem falar que não é, porque ela é forte. E não é só a força de se manter, é a força de impor o que ela quer. Então, a Maria Fernanda... Eu acho que é isso que a gente reconhece nas pessoas, a gente reconhece o que nós somos, e o que nós não somos. E enquanto no Guilherme eu reconheço o que eu sou, na Maria Fernanda eu reconheço o que eu não sou.

G – É o que você gostaria de ser?
L
– Talvez, é. Eu acho que é, topo assim. Qualidades que eu gostaria de ter, eu vejo na Maria Fernanda. E na Marina é aquela coisa de reconhecer as sua qualidades, mas de saber que ela precisa de alguém. Saber que ela precisa muito da gente. Eu tenho. Eu nunca falei isso para ela, do tempo que a gente morou junta. Eu acho que eu nunca falei, mas de querer mostrar para ela que eu vou estar ali em qualquer minuto que ela quiser, que ela precisar, então é isso. E o Hélio eu também reconheço um pouco do que eu sou. O Hélio é as duas caras, o que eu sou e o que eu não sou. A ousadia do Hélio, que às vezes me falta, mas a alegria do Hélio que eu sei que eu tenho muito.

G – E quando você terminar a faculdade você quer trabalhar com o quê? O que te atrai mais: impresso, On-line, rádio, TV, assessoria...?
L
– Engraçado, quando eu entrei na universidade, entrei com o sonho de fazer fotografia. Achava que eu ia ser uma repórter fotográfica. De repente, caiu o meu mundo, eu não quero mais ser repórter fotográfica, porque eu não sou uma fotógrafa como eu achava. Eu não consigo, porque eu fiquei frustrada com o pouco tempo que a gente teve, coma falta de contato. Eu acho que você faz jornalismo e sai da faculdade sem imaginar não passar pelo impresso, entendeu? O nosso curso é direcionado para o impresso. E o meu sonho é trabalhar no impresso. Não sei se o impresso. O meu sonho era poder usar da ferramenta do jornalismo. E eu sei que não vou conseguir, ao mesmo tempo, é legal, mas é frustrante você saber que não vai conseguir fazer tudo o que você queria. Então, eu quero passar pela experiência do impresso. Eu acho que eu também quero fazer TV. Rádio, eu tenho como uma coisa talvez, não é uma coisa que eu desejo, mas impresso eu desejo muito, para poder ser uma jornalista. Eu não me sinto jornalista. Eu tenho muito medo de sair daqui e não ser jornalista. E eu sei que o meu tira-teima vai ser o impresso. Então, eu quero fazer impresso de início. Eu quero fazer TV. Tenho vontade de fazer TV e gosto do dinamismo da TV, daquela coisa que você não está ali só na frente do computador. Você tem que gravar um “off”, todo mundo diz “Ah, você escreve um ‘off na empresa’”. Nem sempre, às vezes, você grava um “off” dentro do carro, e você tem que chegar tal hora com a matéria pra editar senão não vai entrar. Então, eu gosto do perfil da televisão. Gosto de fotografia ainda, mas eu quero fazer impresso depois de eu ter... Ou ao contrário, mas eu quero passar pelo impresso, é um lugar que eu não quero deixar de passar.

G – Como você se vê daqui a 10 anos? Você vai ter 30 anos, você vai estar casada? Vai ter filhos? Vai estar trabalhando aonde?
L
– Ai, meu Deus! Vou ter 30 anos é a única coisa que eu tenho certeza (risos). Se eu vou estar casada eu não sei. Eu acho que eu vou estar casada, eu pretendo...

G – Assim, essa pergunta era assim como você quer se ver, entendeu?
L
– Eu quero estar casada. Eu não sei se eu já quero ter um filho. Eu quero ter um filho, mas eu quero que o meu primeiro filho seja adotado. Eu não sei se eu vou conseguir realizar esse sonho, porque a gente nunca pode pensar... Eu tenho que pensar que eu vou ter um marido e que eu tenho que conciliar a minha vontade com a dele. Mas é um sonho que eu tenho, e eu queria que o primeiro fosse adotado. E assim, eu me vejo casada, talvez com um filho adotado. Eu me vejo trabalhando... Ai com 30 anos, eu não consigo, sei lá, eu não consigo decidir ainda se eu quero estar aqui ou estar ali, sabe? Mas, eu não quero mais estar em Campo Grande.

G – Isso que eu gostaria de te perguntar. O que você vai ter feito já? Você não vai mais estar em Campo Grande?
L
– Não vou estar mais em Campo Grande, se tudo correr do jeito que eu planejo. E eu queria estar trabalhando em uma revista, já ter passado pelo impresso, pelo jornal diário. Eu queria estar trabalhando em uma revista semanal. E queria, ao mesmo tempo, ou estar em uma revista ou estar em uma televisão. Aos 30 anos, acho que é a idade que eu poderia me dar melhor com a televisão, porque você lidar com a televisão, eu acho que você tem que ter mais responsabilidade. Querendo ou não a TV é o lugar que você pode errar mais. É o lugar que você erra mais, você prejudica mais pessoas e eu quero estar prejudicando menos possível alguém. Errando menos, fazendo matérias melhores. Eu sei que a televisão é o meio que você atinge o maior número de pessoas, então é o meio que eu quero estar mais preparada, entendeu?

G – E como você vê o jornalismo de uma maneira geral?
L
– Ai, o jornalismo de uma maneira geral. Olha, eu vejo o jornalismo com muitas pessoas querendo fazer o bom jornalismo, mas não conseguindo. Eu ainda sou. Eu não sei, posso estar equivocada, mas, eu ainda sou da seguinte opinião: que os donos dos meios de comunicação não estão preparados para serem donos, entendeu? São filhos de pais que foram jornalistas, é o caso da família Marinho, e que não são jornalistas. Não têm aquela coisa do meio de comunicação e são pessoas que, infelizmente, não se preocupam com o social, infelizmente. Eu acho que hoje o que tem de responsabilidade social no jornalismo é mérito única e exclusivamente do repórter. Daquele que vai lá atrás, do jornalista, nem tanto do editor. Por que eu vejo o editor como pessoas covardes. Não sei, eu posso estar enganada, mas hoje eu vejo assim. Então, eu acho que tem muita gente querendo fazer, tem muita coisa boa pra ser feita, mas, ao mesmo tempo, tem muita coisa horrível também no mercado, essa questão... Eu acho que o jornalismo hoje é pobre de idéias, sabe? Essa coisa de você ver em todos os jornais de televisão a mesma notícia, em todos os jornais impressos o mesmo destaque. As assessorias tomando conta dos lugares. Eu, às vezes, até penso em seguir assessoria para poder, tipo assim, eu escolho o lugar e defendo aquele ponto de vista. Eu acho que hoje um assessor é mais livre do que um jornalista, porque a idéia é de que teria que ser ao contrário, né? O jornalista tem que ser mais livre para escolher, e o assessor mais... Eu acho que hoje falta idéia no jornalismo nacional.

G – Você é muito esquecida, sempre foi? Conte algo engraçado.
L
– Ai, eu acho que a estória mais engraçada de esquecimento foi a minha vó

G – E você sempre foi esquecida?
L
Se eu sempre fui esquecida? Acho que sim. (morrendo de rir) Eu não me lembro se eu sou esquecida desde sempre. (risos)

G – (morrendo de rir) Essa foi a melhor resposta! ...[A entrevista é interrompida para terminarmos de rir, e aí eu retomo] Conte a história da sua vó
L
– Eu me lembro sim. Eu me esquecia de fazer os deveres. Eu acho que sempre fui meio esquecida. Eu esqueço de dar recados, tenho que anotar todos os recados. Eu tenho assim uma memória boa pra pessoas, dificilmente eu me esqueço de uma pessoa que conheço. Muito difícil que eu me esqueça da situação que eu a conheci, de como ela estava vestida. Às vezes, eu me lembro, mas de fatos, de coisas menos humanas, eu me esqueço. Me lembro sempre de pessoas.

G – De afazeres?
L
– Isso de afazeres eu me esqueço muito, sabe?

G – A sua avó...?
L
– A minha avó. Ai, então, a maior estória da minha vida foi essa. Eu estava... Acho que foi a minha primeira prova na universidade, era a prova do Ido Michaels de economia. Eu achava que ia ser a prova mais difícil da minha vida e foi a prova mais ridícula que eu fiz. Então, eu estava estudando muito na Federal. Umas 6 horas da tarde e minha mãe me liga: “Ah, filha, sua avó vai ficar em casa, eu vou deixar ela aqui pra você ir com ela amanhã no médico”. E eu falei: “está bom”. Só que como eu estava muito concentrada numa coisa, eu não ia lembrar de duas coisas ao mesmo tempo, claro. Aí fui, fiz a prova, senti que eu sai “Oh, eu sai muito bem na minha primeira prova!”. Foi ridículo. Para aliviar a tensão todo mundo foi pra feira e eu fui com todo mundo. Só como eu morava do outro lado da cidade que o restante das pessoas. Eu o Guilherme moramos de outro, eu falei como que eu vou, né? Aí a Viviane falou: “Não, você dorme na minha casa”. Aí, eu fui pra feira. E estou lá muito bela, tranqüila, já é 1 hora da manhã, estou eu sentada numa cadeira quase dormindo, e o Bruno também, minha cara. Eu dei um pulo, e um grito: “A minha avó!”. O Bruno olhou para minha cara e falou “que vó Laiana? Você está louca?”. “A minha avó! Eu esqueci a minha avó!”, “Você esqueceu de ligar para a sua vó”, “Não eu esqueci a minha avó” (risos). Moral, a minha mãe trancou a minha avó lá dentro de casa, e eu esqueci a minha avó trancada dentro de casa. Isso era 1 hora da manhã. Não tinha mais ônibus para eu voltar. Estava a dez quilômetros da minha casa. Então, eu fiz uma pessoa que eu acabei de conhecer que era o Eduardo, que estava acabando de começar a namorar a Maria Eliza, uma grande amiga também, que eu esqueci de citar. Mas que eu também admiro bastante. E aí, foram os dois e a Isabela, uma outra colega, me levar para casa. Minha avó trancada dentro de casa. Como que uma pessoa esquece a avó trancada dentro de casa? Eu poderia ter causado um grande problema para saúde dela, porque ela ia perder o ônibus. Ela ia perder a viagem, ela ia perder tudo. Ela não é daqui de Campo Grande. Então, eu acho que foi o meu maior esquecimento, mas tiveram vários... Ah! Eu esqueci minha sacola dentro do ônibus. Desci do ônibus sem sacola, como assim? Eu fui viajar e deixei a sacola no ônibus. Minha sacola foi parar em Nova Alvorada e eu fiquei no Anhanduí e eu peguei a sacola de outra pessoa. Atenção total, né? Mas, é uma história também.

G – Você tem um cabelo grande, lindo... Deixa eu ver qual é o outro elogio...(risos) e Cacheado. Como é sua relação com o seu cabelo?
L (rindo) –
Ai meu Deus, obrigada pelo lindo! Poucas pessoas falam que meu cabelo é lindo. Mas eu acho meu cabelo lindo! (risos) Muita gente acha esquisito, mas eu acho lindo. A relação com meu cabelo: acho que é a parte do corpo, que eu tenho, que eu mais odiei na minha vida, e que mais amei. Eu jamais cortaria o meu cabelo curto. Eu olho para Maria Fernanda e acho lindo o cabelo dela, mas eu jamais acho que eu cortaria meu cabelo daquele tamanho. Eu gosto de pegar, no meu cabelo sentir os cachos e tal. Eu sinto que quando eu corto o meu cabelo, as pessoas falam “Ah! Ficou bonito!”, mas eu sinto que eu perdi um pouco da minha beleza. Eu não me sinto uma pessoa bonita. Um pouco, grande parte da minha beleza está no meu cabelo. Eu não sei da beleza, mas a diferença, entendeu? Porque eu sou uma pessoa, eu me vejo como uma pessoa que não tem diferença. Eu me vejo como a mais sul-mato-grossense do mundo. Eu sou filha de gaúcha, com sul-mato-grossense, que nasceu dentro do Mato Grosso do Sul, no meio do Mato Grosso do Sul. Tenho o cabelo cacheado e sardas, tipo “que é isso? É uma mutante!?”. Então, eu acho que o diferencial em mim é o meu cabelo.

G – E chapinha, nunca?
L
– Nunca fiz...

G – Mas, você não se vê de cabelo liso?
L
– Olha, eu não consigo. Eu sempre falo, toda vez que eu vou na minha cabeleireira eu falo: “a próxima coisa que eu vou fazer aqui vai ser uma escova e uma chapinha”.

G – Nunca Fez?
L
– Nunca fiz no meu cabelo, nunca alisei o meu cabelo, mas eu vou fazer! Sabe, não digo nunca, eu vou fazer! Talvez na próxima... A chapinha está próxima (risos)

G – Mas, você não se vê de cabelo liso diariamente, por exemplo?
L
– Jamais. Eu de cabelo liso pro resto da vida nunca! Alisar o meu cabelo com químicas e químicas. Eu não vou falar que nunca passei, já passei. Ele alisou tudo, do jeito que eu queria e começou a alisar. E aí eu falei não eu quero cacheado. Eu nunca, jamais me vejo com meu cabelo liso.

G – E tinta? Pintar...
L
– Eu já tive vontade, mas eu não consigo. Como eu sou uma pessoa muito esquecida, eu também me esqueço de cuidar do meu maior bem que é o meu cabelo. Eu também me esqueço. E o cabelo cacheado com tinta e sem tratamento é uma bucha, uma palha, uma vassoura. Então, eu acho que não. Talvez, eu já tive vontade de pintar o meu cabelo. Não é pintar, mas de fazer talvez luzes de vermelho, porque eu gosto da cor. Eu acho que talvez não ficaria bom, porque eu sou uma pessoa não é nem amarela, eu sou uma pessoa que não tem cor. Então, o cabelo vermelho é bom para pessoa branca. Acho que não ficaria bom para mim, mas é uma cor que eu gosto.

G – Como você avalia o governo Lula?
L
– Ai, meu Deus. O governo Lula é engraçado (risos). É a maior frustração, porque no fundo, no fundo, eu queria que fosse diferente. Mas, ao mesmo tempo, é a maior expressão de que eu estava certa. Porque quando todo mundo acreditava que o governo Lula seria diferente, eu falava que não seria diferente, entendeu? E todo mundo brigava comigo “como que você é uma jovem, que vai entrar na faculdade e não tem a visão de mudança?”. Eu falava: “não tenho visão de mudança, porque eu acho ridículo o que eles estão falando, porque eles não vão fazer”. Ao mesmo tempo, eu avalio como um avanço na cidadania brasileira, na democracia brasileira. Por mais que todo mundo fala “ai, é horrível o governo Lula”, mas você tinha que experimentar. Nós tínhamos que saber, se seria ou não horrível. Não existe democracia feita de um lado só. E até o Lula, a democracia no Brasil era feita de um lado só. Eu acho que foi um avanço para as pessoas perceberem que a democracia não é só o direito de escolher, mas a alternância no poder. Eu acho que democracia, a gente vivia em um absolutismo de, não é um absolutismo... Talvez de uma ditadura que nós não percebíamos, uma ditadura imposta por nó mesmos, porque nós não tínhamos a consciência de que a democracia é isso, mudança. Entendeu? E eu acho que esse foi o avanço do governo Lula. Assim, existem outros avanços, mas eu não me lembro agora (risos).

G – Agora é um bate bola. Eu queria que você falasse de um momento de alegria.
L
– O vestibular. O Morenão, o Morenão é a minha maior alegria.

G – Um momento de tristeza.
L
– Ai, um momento de tristeza foi a perda de dois amigos, num acidente de carro. E, assim, alguns momentos de tristeza que não são fortes. Eu nunca tive momentos fortes de tristeza, mas o pior foi esse eu acho.

G – Agora um bate bola mesmo. Família, uma palavra.
L
– Tudo

G – Lugar
L
– Ai meu Deus, a fazenda do meu pai. O mangueiro da fazenda do meu pai. (risos)

G – Um exemplo
L
– Minha mãe é tudo.

G – Amor
L
– Amor? A minha vida!

G – Amizade
L
– A minha segunda vida. (risos)

G – Brasil
L
– O Brasil, meu sonho.

G – Jornalismo
L
– Ah! Também meu sonho

G – Uma qualidade
L
– Minha? A amizade, o amor pelas pessoas. Essa é a minha maior qualidade: eu amo, mas vai o defeito né?.

G – Defeito.
L
– (risos) a falta de capacidade de mostrar o meu amor pelas pessoas

G – Escrever
L
– Uma luta.

G – Uma frase
L
– Uma frase... ai, meu Deus, eu tenho tantas frases na minha vida e eu não me lembro...

G – Só uma. (risos)
L
– (risos) Mas assim, eu me lembro de uma que eu escolhi para colocar na minha primeira fotinho de escola, sabe aquelas fotinhos de escola? Que é do Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

G – Ótima. Um recado final.
L
– Ai, assim, pra pessoas que vão ler essa coluna, essa entrevista, que eu agradeço o Guilherme por ter me dado uma chance de mostrar um pouquinho mais de mim. Eu acho que consegui mostrar um pouco pra ele, e falar dele, falar do Guilherme porque eu acho que é importantíssimo falar do Guilherme. Porque pra mim é um exemplo de amigo, e é um exemplo de jornalista, que eu queria ser. Eu acho que o Guilherme vai ser um jornalista que eu quero ser. Então, eu pretendo ser amiga do Guilherme pra poder aprender com ele. (risos).

Laiana é a filha mais velha de Roberto e Cira. É irmã de Naiara e Fernanda.

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